Eu já falei inúmeras vezes do Vondelpark aqui no Ducs Amsterdam, e o recomendei como uma das principais atrações de Amsterdam. Pode ser que eu ter morado por mais de dois anos como praticamente seu vizinho tenha influenciado nisso — certamente influenciou na enorme quantidade de horas em que passei lá.
Ou pode ser que o Vondelpark seja sensacional mesmo. Ao menos, não sou só eu que acho: segundo a organização do parque, 9 de 10 habitantes de Amsterdam o visitam pelo menos uma vez por ano. Eu certamente fui bem mais. O Vondel é um desses lugares no mundo em que me sinto bem.

Não sei bem o motivo, e muita gente de fora que apenas passe por ele rapidamente talvez não entenda. O Vondelpark é algo para ser apreciado com calma, não é uma atração turística, propriamente, no estilo "já vi, legal, próxima". É parte da cidade, da vida dela; é passagem, caminho; é para onde se vai comer churrasco no verão, tomar vinho rosé na primavera, ler e estudar e também deixar a lição de casa pra depois, porque nevou, o mundo está branco, gelado e lindo e o parque precisa de você (tá, é o inverso).
Oh, muitos outros parques permitem isso — a Holanda, apesar de seu pouco e disputado espaço, faz questão de suas áreas verdes — e cada pessoa tem o seu preferido. O meu, é o Vondel; eu sou apaixonado por ele. Deixa eu te mostrar por quê.

O que ver e visitar no Vondelpark
't Blauwe Theehuis
Depois que a casa de chá tradicional pegou fogo nos anos 30, uma nova casa precisava ser construída. Em 1937 foi inaugurada a 't Blauwe Theehuis (A Casa Azul de Chá), um pavilhão estilo modernista que parece um disco voador... ou três discos, um em cima do outro. Hoje em dia ela não é mais uma casa de chá, mas um bar restaurante bem bacana.
A comida não é nenhum espetáculo e a cerveja é a padrão (Heineken. Eu sei que ela tem fama e prestígio no Brasil, mas não sou grande fã. Acredito que aqui na Holanda há coisa muito melhor em matéria de cerveja). De qualquer forma, o preço não é caro e a vista é bem legal.
Coreto
Esse coreto não tem nada de especial — quer dizer, não é considerado um grande marco no Vondelpark, nem nada. Mas eu gosto dele, acho lindo. Eu curtia acompanhar as estações mudando ao fotografá-lo em cada uma delas.
Um casal vai tirar foto no coreto. Aqui na Holanda, é costume os noivos irem uns dias antes do casamento pra um lugar bonito e fotografar... em vez de ficar posando na festa. Como cês devem calcular, o Vondelpark é destino popular pras fotos dos amsterdammers.
Teatro a céu aberto - Openlucht Theater
Música combina com o Vondelpark desde sua criação. E, em 1974, ela ganhou um espaço fixo. O Openlucht Theater do Vondelpark funciona todo verão com uma agenda cultural que tem música, peças, stand up e mais um monte de coisas. O legal é dar uma olhada no site deles e ver a programação (de novo: só no verão).

Estátuas
Uma das coisas legais do Vondel é você estar andando ali, sem esperar muito e pá: dá de cara com uma estátua de Pablo Picasso. Não, a sério.

Essa estátua se chama "Figure découpée" (em holandês é chamada "De vis": o peixe) e é de 1965.
Ok, Picasso é o mais famoso, mas há muitas outras estátuas no parque.
Essa estátua chama-se "Mama Baranka". É de autoria de Nelson Carrilho, que a fez como memorial de um crime. Em 1983 um skinhead assassinou o menino Kerwin Duinmeijer, das Antilhas, num crime que chocou a cidade. Mama Baranka quer dizer "Mãe Rocha" em Papiamento, a língua das Antilhas e todo dia 20 de agosto há um memorial no Vondelpark para Kerwin.
Essa estátua fica bem no portão principal do Vondelpark e representa Amsterdam. Veja que ela segura o escudo da cidade, com os XXX. A personificação aparece em outras estátuas, como na que fica em cima do portão da antiga prisão de Amsterdam.
Crianças no Vondelpark
Apesar da fama de Amsterdam, é uma cidade que combina muito com criancinhas. E o Vondel é um dos lugares mais legais pra você levar suas crianças em Amsterdam. Além de toda a área verde, está cheio de playgrounds e brinquedos pros pequenos explorarem.
O quê? Cês tão pensando que aqui as mães se abalam com uma singela nevasca ou temperaturas negativas pra sair de carrinho na mão empurrando pimpolho? Né não! Se fosse assim, o remédio seria ficar meses em casa. Nada disso. Aqui o pessoal enfrenta a neve com tudo que é tipo de transporte.
No dia da Rainha, a festa nacional holandesa, o Vondelpark hospeda um markt (isso é, feira) a céu aberto comandado pelas crianças.
Vondelpark nas 4 Estações
O Vondelpark é um dos melhores lugares em Amsterdam para acompanhar o ritmo das estações. Com minhas câmeras, eu vi o parque passar pelos ciclos e sempre achar um jeito de ficar lindo, não importa a época. Querem ver? Prometo que não vão se arrepender.
Outono
O outono na Holanda é a estação das cores.
Inverno
A vida ao ar livre aqui não depende de calor. Se tiver nevado e for fim de semana, como aconteceu nesse inverno 2009/2010, pode esperar metade da cidade lá. Conselho de amigo: faça parte desta metade, especialmente se tiver sol. Sol com o Vondelpark nevado é um espetáculo encantador. Aprenda a fazer um boneco de neve, ou saia escorregando no gelo, ou apenas ande pelo parque. De qualquer maneira, ele vai te recompensar pelo seu tempo.
Laguinhos congelados
Quando os laguinhos congelam todos se acendem! Além de serem lindos, oferecem a possibilidade muy apreciada pelos holandeses de patinar em gelo natural. Os holandeses são loucos por patins. Você pode também subir no gelo, mas cuidado! É sério! Gelo fino pode ser muito perigoso, e pode dar um acidente meio sério. Não saia se metendo onde não sabe. Respeite sempre o gelo! Não é porque os holandeses fazem que é necessariamente seguro (eles também caem). Use bom senso.
Ah, sim: e não saia metendo a mão nua pra bulir no gelo. Vai doer. Eu sei.
Neve no parque: lazer e beleza

Esportes de inverno: patinação, esqui cross-country e até trenó
Primavera: flores e amor
Na primavera as temperaturas melhoram, mas ainda é friozinho. Dias lindos, flores, friozinho? O jeito é namorar no parque.
Namorados no Vondelpark
Verão - picnic
No verão, o cheiro de churrasco toma conta — para os holandeses calor invoca churrasco (com consequências desastrosas às vezes). Há piqueniques por toda a parte, grupos de pessoas lendo, tocando violão, apreciando o sol que aparece com mais convicção nessa época. Peque sua bike, sua sacola do Albert Heijn e vá pro Vondel... como todo mundo 🙂
Malabares é mais um dos esportes populares no verão. Futebol é direto, mesmo no inverno. Sem neve, o pessoal gosta de praticar patins sobre rodas na frente do EYE Vondelpark (cara, preciso me acostumar a chamar assim o Filmmuseum).
Geocaching
Conhece a brincadeira de geocaching? Eu expliquei no artigo sobre Praga (quando a gente foi buscar no cemitério nevado da cidade...), mas a idéia é a seguinte: alguém esconde um "cache" (um contâiner qualquer) em algum lugar e publica as coordenadas de GPS. Daí a graça é você ir até as coordenadas e procurar onde o cache está escondido. Dentro dele tem em geral um "log" pra você marcar seu nome e quando achou. Alguns tem uma lembrancinha dentro, que se você tirar, deve deixar outra, e ainda outras regras. É tipo uma caça ao tesouro high tech.
E tem mais de um cache no Vondelpark. Sem estragar a surpresa, num deles tem meu nome :). Se quiser procurar, vá até a página do cache (é preciso criar usuário e senha no site pra ver as coordenadas... mas é de graça!)
Leitura no parque
Como vocês sabem, ler é como respirar para mim... necessário (se pra você também é, dê uma lida nas minhas dicas de livrarias em Amsterdam). O Vondel é um lugar fantástico pra você encontrar sossego e ficar lendo.
(E, de novo, não sou só eu quem acha).
História do parque
O parque começou em 1864 quando um grupo de cidadãos particulares comprou a área, então na borda da cidade. A cidade estava sob pressão para expandir-se e sofrendo perda de área verde. O Plantage, o parque mais popular da época, foi removido pra que se construíssem casas, e parte dele foi transformada no Zoologico de Amsterdam. Esse grupo, liderado pelo presidente do Nederlandsche Bank (Banco Holandês), Christiaan Pieter van Eeghen, decidiu abrir um novo parque.
O arquiteto Jan David Zocher projetou o parque no estilo inglês (um estilo que busca dar a ilusão de que o visitante está na natureza) e sua primeira parte foi inaugurada no ano seguinte, em 1865. O parque ficou totalmente pronto só em 1877. Em 1893 foi permitido o acesso dos ciclistas ao parque, que continuava sob administração particular. E assim ficou até 1953, quando a Organização que administrava o Vondelpark, sem conseguir cobrir os custos de manutenção, passou o controle da área pra Municipalidade de Amsterdam (Gemente Amsterdam). Na verdade eles "venderam" o Vondelpark pela soma simbólica de 1 Gulden, com a condição de manter o parque aberto para a população, ciclistas inclusive, e não fosse usado pra comícios políticos.
A origem do nome: quem foi Vondel?
Em 1866 foi instalada uma estátua de Joost van den Vondel (resista à tentação de pronunciar Jóstchi... o nome soa mais como "Iôust"). O cara merece a homenagem: é um poeta e dramaturgo nascido em 1587, e considerado o "Shakespeare holandês". Depois de ter morado em Utrecht quando criança, a família de Vondel acabou se estabelecendo em Amsterdam, onde ele administrou a loja que herdou do pai enquanto aprendia latim e literatura.
Vondel escreveu muitas peças até tarde na sua vida. A peça Gijsbregth van Aemstel não é a mais famosa, mas ficou muito popular na cidade: ela conta de maneira épica o cerco de Amsterdam de 1304, dando uma origem mítica pra cidade em um drama da realeza. Chegou a ser, por muitos anos, uma tradição em Amsterdam encenar essa peça na noite de ano novo.
Quando a estátua foi instalada, o nome era simplesmente "Parque Novo" (Nieuwe Park). Com a estátua, as pessoas passaram a se referir como "Parque do Vondel" (Vondelspark), depois "Parque Vondel". Em 1880, o nome Vondelpark foi oficializado.
Invasão do amor: hippies vêm pra dormir no parque
No começo dos anos 70 houve um grande número de visitantes: os hippies baixaram em peso em Amsterdam. A Dam virou um centro hippie, com a galera acendendo incenso, ouvindo Janis e Grateful Dead e, claro, produzindo uma maresia considerável (dizem que até Bill Clinton acendeu unzinho em Amsterdam... mas não inalou, claro *cof*). Bem, os fuzileiros navais a certa altura "convenceram" (certamente não pedindo por favor e fazendo biquinho) os hippies a saírem do Dam, e eles se instalaram no Vondelpark.
Logo surgiram petições pra prefeitura não implementar a proibição de dormir no parque — no que foram atendidos. O Vondel se encheu de barracas e virou um centro mágico flower power. A KLM, cínica e prática bem ao estilo holandês, chegou a fazer anúncios "Fly KLM, sleep in the Vondelpark". A ocupação, que começou em 1971, acabou em 1975 quando a prefeitura, de saco cheio das montanhas de lixo deixadas pelos ocupantes, baixou a proibição de dormir no parque e expulsou todo mundo.
Monumento nacional e renovação
Em 1996 o Vondelpark foi declarado "Rijksmonument" — algo como um "monumento nacional", o que garante sua conservação. Aliás, isso era altamente necessário, já que o parque estava recebendo cerca de 10 milhões de visitantes por ano! Como ele não foi projetado pra esse uso tão intenso, era preciso uma renovação pra recuperar algumas áreas e dar estrutura pra uso de alta escala nos anos seguintes. O projeto foi planejado pra durar praticamente uma década: de 1999 a 2010.
No começo de 2010 o parque foi entregue à população e já pode ser usado normalmente.
Possíveis incômodos no Vondelpark
Eu sou um cara sossegado, e nunca vi nada no Vondel que me incomodasse seriamente, tirando de vez em quando barulhos dos caminhões de limpeza. Mas tem gente que pode implicar com algo, então vou citar...
É possível que você passe por um grupinho fumando maconha. Tecnicamente, é proibido, mas... às vezes acontece. Eu pessoalmente não me incomodo minimamente. Não são, assim, um "grupo de drogados junkies usando o parque pra fugir das autoridades". Estão mais pra "galera relaxando ao sol, enquanto alguns lêem, outros jogam futebol, fazem churras ou tocam violão, aqueles ali queimam um fumo". Se você se incomoda, não se preocupe: primeiro, é raro de encontrar e segundo, o parque é grande o bastante pra abrigar a todos e você não precisa ficar ao lado. Há bastante espaço. Pode ir tranquilo.
Se você tem medo de cachorro, saiba que é comum encontrar cãezinhos soltos por lá. De novo, eu não me incomodo, mas tem gente que sim. Uma vez, estávamos eu eu Carla tomando sol quando ouvimos um TCHIBLUM. Mas não deu nem tempo de abrir os olhos e ver o que era: recebemos uma chuva de água de laguinho expulsa por algum cãozinho alegre e mergulhador. Eu dei risada, junto com todo mundo em volta.
O infame "Sexo no parque"
Por volta de 2007 rolou uma besteira de que "podia transar no parque em Amsterdam". Aparentemente, teve alguma reportagem no Brasil e criou-se um frisson, como se fosse um parque de uma imensa suruba. Ridículo. O que aconteceu foi que um vereador holandês propôs que casais pegos transando dentro do parque não fossem presos e processados criminalmente, caso fosse de noite e estivesse longe de áreas com crianças. No fim, a proposta nem chegou a ser posta em prática, já que a polícia disse que a lei requer que eles impeçam de o sexo acontecer, em primeiro lugar.
Mas bastou isso pra transformar o Vondel no "parque do sexo" no Brasil. Isso não existe. Se há quem transe lá nunca vi — mas obviamente que também nunca fui revirar moitinha às duas da manhã. Né? Live and let live, people.

Localização
O Vondelpark é razoavelmente central em Amsterdam. Tem uma forma alongada (1,5 km de comprimento, 300 metros de largura), e a entrada principal está pertinho da Leidseplein, na Stadhouderskade (achou difícil? Imagina aprender holandês 🙂 ). Mas tem inúmeras outras entradas, e ao longo dele é uma vizinhança muito boa, bem tranquila. Inclusive, é um dos lugares que recomendo para se hospedar em Amsterdam.
Perto dali também fica a Museumplein, onde estão o Van Gogh Museum e o Rijksmuseum, além de ser lugar costumeiro do famoso letreiro I AMSTERDAM (ele muda, entretanto, de vez em quando é tirado de lá).
Quando morei, não foi perto da entrada principal, mas do outro lado. Se eu tava com tempo de andar, para ir ao centro eu entrava pelo portão perto de casa (bem na outra ponta) e andava o parque todo até chegar na Leidseplein. Se estava com mais pressa, ia de bicicleta (e é muito comum as pessoas usarem o Vondel como parte do percurso diário).
Aqui, vejam o Vondel no Google Maps.
Explore por você mesmo
Que artigão, hein? E se eu disser que não falei de muita coisa? Eu nem contei do jardim de rosas e quando ele fica florido, nem das ilhotas que ficam acessíveis quando os laguinhos congelam e da vez em que fui até uma, morrendo de medo do gelo quebrar... ou do Vondelpark a noite. Nem citei a guerra anual de bola de neve que acontece lá e nem falei do concurso de fotografia e exposição que teve. Oh, há muito o que ver e viver no Vondel.
Quer saber? Os hippies tinham razão: é um parque mágico, velho amigo...
...vamos explorar!
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Todas as fotos © de Daniel Duclos, exceto a última, © de Alickel
Artigo dedicado à Carla e ao rbp.
Referências
O artigo terminou. Coloco aqui as referências que consultei pra escrevê-lo.