Albert Heijn e a Holanda

 

Albert Heijn é uma cadeia de supermercados, mas poderia muito bem dizer que Albert Heijn é parte da Holanda. Se você viu um Albert Heijn, você está na Holanda, e se você está na Holanda, você verá um Albert Heijn. Em esquinas, em ruas, em prédios antigos e históricos, em shoppings novos, em pontos turísticos e em subúrbios esquecidos, em estações de trem e nos aeroportos, o Albert Heijn (AH, como eles parecem preferir) está presente em todo o território nacional holandês, mas, saca só, somente no território holandês. Na era das multinacionais, o Albert Heijn permanece teimosamente holandês, e exclusivamente holandês.[1]

Portanto, muito mais típico que moinhos de vento, tamancos e drop. Esses são os clichês pros turistas. Os locais, depois de uma viagem por terras estrangeiras, avistam o familiar logo azul e branco assim que chegam e então soltam um longo suspiro - estão de volta em casa. A Carla alega que este é o verdadeiro motivo pra ter Albert Heijn em toda estação de trem, porto ou aeroporto: assegurar aos locais que eles cruzaram a fronteira e estão de volta onde as terras são baixas e as pessoas altas, onde a bicicleta manda e o governo não muito, onde todos são iguais entre si, inclusive a Rainha, e onde o laranja está em toda parte, exceto na bandeira! Nederland, ik ben weer terug thuis! - exclamam, pois tudo é certo no mundo, o céu é cinza, o clima miserável, as montanhas ausentes e o Albert Heijn onipresente.

AH
Símbolos de holandezisse: AH en fietsen

Não que eles gostem do Albert Heijn, claro. Pergunte a qualquer holandês sobre o Albert Heijn e ouvirá reclamações (outro sinal de holandezisse, nativa ou adotada: a reclamação). "É caro" é queixa universal. Só turista deslumbrado acha o Albert Heijn barato, ou, pelo menos, admite em voz alta que acha. Com freqüência dirão que nunca vão lá. O que é um mistério, claro, porque ninguém "nunca faz compra lá", mas está sempre cheio de holandeses passando seus bonuskaarten, blip, coletando seus spaarzegels, felizes da vida a boodschappen doen. Ah, desculpe, eles não estão felizes. Os preços, onde iremos parar?

AH XL
Albert Heijn XL - esses são mais modernos...

Olha, não me entendam errado. Há muitos outros supermercados na Holanda. Muitos são excelentes. Alguns são, de fato, mais baratos. Mas a influência do Albert Heijn na vida holandesa não é equiparada por nenhum deles e, desconfio, por nenhuma outra empresa ou instituição. O Albert Heijn é, com seu conjunto de peculiaridades e idiossincrasias, digno de nota. Ou notas. Vamos à elas.

1. O Bonuskaart

O bonuskaart é um cartão de fidelidade. Você precisa dele pra receber os descontos que o AH dá. Se você vê um preço mais barato anunciado, escrito BONUS em cima, você só ganha o desconto se tiver um bonuskaart. Uma das distinções local-turista. Turista não tem, em geral, bonuskaart e não ganha o desconto. O bonuskaart é literalmente um cartão, que você entrega pra caixa a qualquer momento da compra. Ela pega, passa no leitor de código de barras, que faz blip, registra o número e aí seu desconto será aplicado ao final da compra fechada, subtraído do total. Mas quando você pede o bonuskaart, ele vem com 3 cópias do mesmo código - um cartão pra toda a família. Uma é o cartão que eu falei, e duas são minicartõezinhos, que podem ser colocados no seu chaveiro. Aí você entrega o molhão de chaves pra caixa, que faz clinck, clanck, BLIP, clank com ele e te devolve.

AH bonuskaart sleutelhanger
Clinck, BLIP, clank. (O código de barras está no verso)

O Bonuskaart não custa nada pra fazer, é só ir no balcão que tem na frente de todo Albert Heijn, onde vendem-se cigarros, strippenkaarten e afins, pedir e ganhar. Não precisa se registrar, dar nome, nada. Peça, ganhe, use. Esta é a versão anônima do bonuskaart. Mas, se quiser, você também pode pedir um cartão registrado com seu nome. Basta solicitar e eles te dão um formulário junto com o cartão. A grande vantagem de registrar-se? Huh... se você um dia perder suas chaves com o chaveirinho do bonuskaart dentro de um Albert Heijn eles mandam pra sua casa. GRÁTIS!

2. O AH To go

A versão de conveniência do AH, o oposto do Albert Heijn XL. Lá você encontrará mais lanchinhos prontos,  e produtos em porções individuais. Eles ficam abertos até mais tarde (22:00!) e são verdadeiros salva-vidas. Até que pra uma conveniência tem bastante coisa - até peixe já cortados em caixinhas, prontos pra serem preparados, tem lá. Dá pra agitar uma janta só comprando no AH To go. Os nativos às vezes juntam as duas palavras e chamam o coitado de tôgo. Isso, não "two gow", como no inglês, mas tudo junto, tôgo, como em português mesmo. Obviamente é um pouco mais caro que o AH convencional, mas aí todos acham justo. É a taxa conveniência, e cara, os funcionários estão lá até as dez da noite!

3. Os carrinhos e cestinhas

Pra você pegar um carrinho, você tem que fazer um depósito de €0,50. Você põe a moedinha no mecanismo do carrinho, fecha e ele libera a corrente e você sai a passear. Quando suas compras terminarem, devolva o carrinho, trave com a correntinha de novo e você recebe seus cinqüenta cents de volta. Ignorantes da tradição, na primeira vez em que nos aventuramos nesta instituição holandesa que é o AH, nós achamos que tínhamos de pagar cinquenta cents pra usar o carrinho! Ficamos indignados - que carrinho caro! Mas nos consolamos logo a seguir: pelo menos era bem macio de empurrar... depois é que vimos que demos uma de turistas otários e que algum holandês certamente embolsou nossa moedinha...

Depósito pra usar o carrinho

As cestinha azuis não exigem depósito. Elas ficam logo na entrada. Você pega e sai carregando. Mas muitas vezes não há cestinhas. Pânico. E agora? Voltar como, se a maioria das entradas do AH são mão única? Easy. Vá até o caixa, onde elas se acumulam, abandonadas pelos clientes que já terminaram suas compras, e pegue uma. Teoricamente os funcionários ficam movendo as cestinhas dos caixas pra entrada do super, mas sabecomé, né. Nem sempre.

4. Reciclagem e meio ambiente

O AH recicla coisas. Se você tem garrafas PET de 2 litros, pode procurar uma maquininha que come elas e te dá centavinhos em troca! Não tente por as pequenas na máquina. Ela cospe de volta e nada de centavinhos pra você. Na sua terceira tentativa virá o holandês que está atrás de você, impaciente pra usar apropriadamente a máquina e ganhar seus cents, já falando inglês porque, obviamente, obviamente, você é um turista sem noção, e te explicará a coisa.

Outra coisa que você pode reciclar no AH são pilhas (sem moedinhas, entretanto). Na entrada sempre tem uma lixeira especial onde você pode jogar suas pilhas (batterijnen). Eu só reciclo lá as baterias.

E finalmente, o AH não dá sacolinhas de plástico pra suas compras — bem, dá umas muito das mequetrefe, mais pra você proteger algo de vazar, não muito boas pra você carregar suas compras. As compras, na verdade, você carrega-as você mesmo ou compra uma sacola do AH, por €0,22. Apesar de cara, a sacola é boa. Pegue uma quando chegar no caixa, ou se estiver se sentindo confiante e ousado no holandês peça "mag ik ook een tasje?", ou melhor "rrRRrrenrtasRRRje?"

5. Produtos orgânicos - Biologisch

O AH tem uma linha excelente, gostosa e bastante completa de produtos orgânicos. Em holandês biologisch. Tem o selo, ou rótulo, ou embalagem, verdinha (agora branca) com um logo especial. E estão por todo o supermercado, não confinados em uma seção própria. Onde vendem tomates, ficam os tomates biologisch, e assim por diante. Onde há o produto regular, se há a versão orgânica, ela está lá, junto.

Bologisch melk

6. Organização interna

Aleatória. O Albert Heijn é como floco de neve, cada um é único e diferente. Se você se acostumou com verduras perto de enlatados em um, no outro podem estar em cantos opostos do mercado. Ou não. Quem saberá? É muito emocionante, você se sente um Indiana Jones na caça ao tesouro, ou cereal, no caso, rolando e rolando infinitamente por corredores de um AH que acontece de não ser aquele seu perto de casa. E como a maioria dos AH é construída em prédios antigos, que não foram feitos pra serem supermercados em primeiro lugar, eles improvisam e adaptam. Corredores estreitos com colunas no meio, geladeiras em cantos mortos, é uma alegria. De novo você se sente dentro de um videogame, num imenso labirinto do Pac-man.

7. Abastecimento

Uma das leis do AH é que sempre há um funcionário no seu caminho, empurrando ou carregando algo grande. Se ele não está em seu caminho, logo estará, te empurrando, cortando, fechando, sempre carregando algo pra repor os produtos. Você quer comprar algo e pá, lá está bem na frente da gôndola do que você precisa, um imenso, gigantesco, monstruoso, imóvel carrinho, te negando acesso ao produto.

E aí se estabelece um dos grandes mistérios do AH.

Apesar de estar sempre tropeçando em um funcionário "repondo" algo, o abastecimento é deficiente pra ruim pra péssimo. Errático, na melhor das hipóteses. Um dia tem, outro não tem. E cada AH repõe no dia que bem entende o que bem entende. O melhor esquema é descobrir que dia eles repõem que item que você curte no estoque, e ficar de butuca. Porque se acabar, acabou. Só terça que vem, ou sei lá. A hora que rolar. Fazer compras em AH perto da hora de fechar é uma cena desoladora, tudo meio vazio. Compre cedo.

Outro lance desse abastecimento errático é que, bem... vamos dizer assim: olhe sempre a data de validade. Eu sei, eu sei, você já faz isso em qualquer supermercado. Mas as ocorrências de "esquecimentos" no AH são num número razoável. E se você ver algo com 35% de korting (desconto) adesivado nele, olhe muito bem a data de validade.

8. Pesando os produtos

Os produtos a granel, como em geral frutas e verduras, são pesados no caixa. Há, porém, uma balança pra você conferir o peso e quanto vai dar o total. E daí? Bem, veja neste post :).

9. O AH é holandês

Sim, sim, isso é óbvio. Mas muita gente não se liga que isso quer dizer que tudo no AH está em holandês. Os cartazes. Os anúncios. Os produtos. As etiquetas. Tudo. A única coisa que eu vi escrita em inglês em um Albert Heijn foi na unidade do Dam (a praça central e, portanto mega turística) um cartaz na entrada dizendo "We don't accept credit cards". And they don't. Mesmo. Veja o item 10.

10. Etiqueta no caixa

O ritual do caixa segue um protocolo estabelecido e respeitado por toda a Holanda. Entre na fila. Fique atento pra explicar pra outros fazendo o mesmo que a idéia é entrar no fim da fila. Chute sua cestinha pelo chão porque ela está pesada e você não quis pegar carrinho. Ao chegar no caixa, espere o cara da sua frente colocar os produtos na esteira e depois - mas atenção somente depois - dele colocar o separador de compras, comece a colocar as suas. Se ele não puser o separador, pegue você mesmo e coloque, olhando feio. Se não houver separador, aguarde a caixa repô-los. Colocar suas compras na esteira sem o separador de compras é crime capital, punido por olhar feio e a caixa feliz da vida passando seus produtos junto com os do cara da frente, mesmo que ele já tenha pago, e isso é encrenca certa. Depois, deixe a cestinha no chão, empilhada com as outras cestinhas. Coloque o separador de compras, o que autoriza o cara de trás da fila a começar a esvaziar a cestinha dele. Não colocar o separador irá autorizar o cara de trás a fazer isso por você, te olhando feio. Dê o seu bonuskaart, de preferência com as suas chaves. Se não der, é possível, caso haja algum produto com direito a desconto, que a caixa te pergunte:

- Heeft u een bonuskaart?

O que te soará como rrRRrrRRRaaart? Se você fala holandês, e já está aqui há anos, e fez cursos, soará como rrRRrrbonuskaart? Evite tudo isso simplesmente dando o cartão de cara. É obrigatório, no protocolo, a caixa aceitar e passar seu cartão, mesmo que não haja nenhum produto em bonus (sem acento, é holandês) e que a compra já esteja toda somada e registrada. Ao fim da compra, será dado o total. Se você tiver direito a selos (spaarzegels), ela perguntará se você coleciona:

- Spaart u zegels?

Que soará como srrRRzzRR? Grunha algo em resposta. Whatever. Pague. Não esqueça: o AH não aceita cartão de crédito. Nem de débito que não seja local. Não. Nem Maestro. Não. Nem Visa Electron, nada. Não insista. Não adianta. Se você sabe o que é pinpas (mag ik pinnen?), pode usar. Se não, é dinheiro na mão, bananão. Cash. Bufunfa. Nesse caso, fique a par da lei dos arredondamentos do AH. O governo holandês não emite mais moedas de 1 e 2 cents de euro. Então os estabelecimentos estão autorizados a arredondar pro múltiplo de 5 centavos mais próximo. O AH é meio... "liberal" nessa lei e arredonda pro múltiplo mais alto que ela "tiver troco". Espere perdas de no mínimo 5 centavos. E confira seu troco, na hora, porque pode ser que você dê 10 euros e receba troco como se tivesse dado 5. Concluída a transação, a caixa de perguntará se queres a nota:

- Bonnetje erbij?

Ou: "wilt u de bon?"

Sim, não, tanto faz. Pegue, ou não, e vá recolher seus produtos, enquanto os do próximo cliente são processados pela caixa e jogados pela esteirinha pra irem mansamente se misturarem aos seus. Cadê os saquinhos de supermercado? Não existem como no Brasil, fora uns bem fraquinhos, mais pra você embrulhar algo pra que não suje do que pra carregar compras. Você deveria ter comprado uma sacola (een tasje) por 22 cents. Veja o ítem 4.

11. É caro mesmo?

Mas resta a questão: é caro mesmo, ou é frescura dos holandeses?

Bem ele não é especialmente caro, não. Tem supermercados bem mais baratos, mas... também com bem menos opções e produtos muitas vezes... não tão bons. E claro, nos markts (feiras, em holandês), dá pra comprar verdura e outras coisas mais baratas. Mas aí é aquela coisa, a taxa conveniência. Outros supermercados do mesmo porte e qualidade, penso eu, cobram mais ou menos a mesma coisa. Algumas coisas mais, outras menos e aí vamos. Frutas, eu acho legal comprar em markt ou em quitanda, são melhores e sim, mais baratas.

Mas caro ou não, se você ficar na Holanda tempo suficiente, você irá, em uma hora ou outra, gastar euros no AH. Ou qualquer que venha a ser a moeda nacional holandesa. E é o que eu irei fazer agora (mesmo!). Tot ziens 🙂

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[1] Na verdade o Albert Heijn pertence ao grupo Ahold, rede internacional com sede em Amsterdam, que tem cadeias de supermercados em outros países com outros nomes.

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