Pedalando pela ciclovia molhada abaixo de uma chuva fina que se alterna com uma chuva pesada, sou constantemente fechado por outros ciclistas: sinal de que me aproximo do centro, e logo terei de começar a desviar dos turistas que entram avoadamente na sua frente, deslumbrados pelas belas casas típicas.
Chegando no meu destino, logo tomo um encontrão de um apressado e, ao entrar na loja que era meu objetivo final, o atendente fala inglês comigo sem que eu tenha sequer aberto a boca.
É, pensei, estou de volta à Amsterdam.
Amsterdam é onde viemos morar em 2007. Em 2010 mudamos pra Haia, mas agora em final de 2011 voltamos pra cidade que dá nome ao blog.
Haia é uma bela cidade, a capital de fato da Holanda, centro político do país e, mais importante do que isso tudo somado e multiplicado, é a cidade onde minha filha nasceu.
Haia deixará saudades, e aqui eu listo pra você que está de visita ou de mudança pra "Bela Cidade Atrás das Dunas" alguns dos motivos.
Noordeinde
No meu artigo sobre as principais atrações de Haia, eu incluí a Noordeinde, e agora vai nesse também. Você nunca sabe o que irá encontrar na Noordeinde quando passa por ela, e eu passava todo dia.
A Rainha da Holanda fazendo compras? Arte dos mais diversos estilos nas galerias que se alternam, casa sim, casa não, com as livrarias antigas? Crianças pintando a vitrine de uma galeria chique?
Mulher com emu apoiado no pescoço? Banda de música passando? Carruagem de ouro? Funcionárias de um dos inúmeros cafés da rua saindo todas ao mesmo tempo pra uma guerra de bolas de neve espontânea, tão violenta quanto curta?
O primeiro ministro da Holanda cumprimentando senhoras de chapéu laranja e fazendo piada com as criancinhas, nenhum guarda costas à vista?
Vi tudo isso. E vi mais.
A Noordeinde é uma das ruas mais famosas da Holanda por ser onde está o palácio real, local de trabalho da Rainha, mas o dia-a-dia de lá é tão diverso e interessante que desconfio ser a Rainha mais atraída pela rua do que a rua pela Rainha.
Pra explorar devagar e se surpreender sempre que voltar.
(Quando estiver lá, procure pelo anjo da Noordeinde. Pouca gente repara/acha).
Árvores
Eu adoro árvores por princípio geral, e Haia tem algumas das mais bonitas e bem cuidadas árvores urbanas que já vi.
Eu fiz até um artigo inteiramente dedicado às árvores-monumento de Haia, tombadas pela prefeitura e mantidas lindas o ano todo.
No verão com suas copas cheias e verdes, na primavera florindo, no outono explodindo em amarelos diversos e, no inverno, quando nevadas, arrancam aquele Oh! sincero e surpreso de quem vê um cartão postal ao vivo e percebe que, ao vivo é muito, mas muito mais bonito.
Amsterdam tem árvores, muitas e bonitas, e o Vondelpark ainda continua sendo um dos meus cantos favoritos nesse planeta, mas as árvores de Haia serão sempre um motivo pra eu voltar.
Arte nas ruas
Amsterdam tem muita arte de rua — grafite! Mas aqui estou falando de outro tipo.
Haia é a cidade em que mais vi arte na rua, de graça. Seja em exposições temporárias de escultura chinesa contemporânea (como teve nesse ano), seja com peças espalhadas casualmente pelas ruas ou fotos ampliadas enormemente, seja em monumentais esculturas de areia, Haia sempre tem algo pra surpreender a caminho trabalho ou de casa ou do supermercado.
E arte ousada, nada de ficar na segurança do óbvio ou jogar pelo empate, naquela de "Estátua Figurativa de Gente Importante do Passado". Embora tenha um monte dessas também: Haia põe na rua arte pra provocar, surpreender, arrancar reflexão (nem que seja "o que é isso?!").
Não tem medo de nudez, de tema polêmico, de desafiar convenção estética, de criar bizarro, de dizer, literalmente, "ei, você aí, mexa-se!"
Em frente ao Ministério da Educação, logo em frente à Estação Central de Haia, tem um painel eletrônico com toda cara de painel sério e informativo, que fica passando mensagens altamente provocativas pros transeuntes. Tomei um susto a primeira vez que parei pra ler.
E tudo isso aberto, público e chamando quem estiver disposto a gastar um momento de cotidiano banal com o inesperado, trocando indiferença por reação (troca esta que é, afinal, o papel mais importante da arte).
Centro da Cidade
Haia é a terceira maior cidade da Holanda que é mais ou menos como dizer que a Fifi é o terceiro maior chiuaua do quarteirão. É um país pequeno.
O centro histórico de Haia é pequeno, mas charmoso e tem todo o comércio que você possa querer em um lugar só, incluíndo um Mediamarkt, templo de tarecos que usam eletrecidade, ou seja, um ímã de nerds como eu.
Restaurantes charmosos, supermercados grandes como o Albert Heijn XL, barzinhos mis, e tudo na mão em um centro agradável de andar a pé (a não ser quando estão reformando).
E tem o Buitenhof, sede histórica do paralmento holandês, lindo de se ver todo dia, e as grandes árvores da Lange Voorhout abrigando um feira de livros usados da qual jamais consegui sair de mochila vazia.
Passear a pé no centro de Haia é um programa que a cidade toda pratica e é fácil de entender porquê.
Cidade Internacional
Por algum motivo, quando dizia que eu morava em Haia, muita gente imaginava uma vilinha na Holanda.
Já estabelecido que é uma das grandes cidades holandesas, tenho de dizer que é também uma cidade extremamente internacional. Veja, não é difícil de imaginar isso: as embaixadas estão em Haia, e é também a cidade-sede do direito internacional.
Aqui fica a Corte Internacional de Justiça (ela julga disputas entre países e, sabia, um dos juízes atuais é brasileiro!), e as convenções de Haia estabeleceram algumas das primeiras regras de conflito internacional (em uma delas, de 1907, Rui Barbosa se destacou e ganhou o apelido de Águia de Haia).
Enfim, a cidade tem longa tradição internacional e a prefeitura sabe, aceita e apoia isso!
Seu maravilhoso website tem uma infinidade de material em inglês, tornando a cidade acessível e convidativa pros expatriados também.
Ao me mudar pra cidade, recebi uma cartinha do prefeito de Haia, com um pacote de boas-vindas que incluia até um mapa da cidade. Há números de telefone pra você ligar pedindo apoio pra diversos assuntos e dúvidas e de um modo geral senti a cidade muito calorosa com a comunidade internacional, se esforçando pra apoiar e incluir.
Australian
A Australian é uma rede de docerias que tem um excelente sorvete. Ela costumava ter três lojas em Amsterdam, quando morávamos lá, mas infelizmente a rede se retirou da cidade.
Porém em Haia ela continua com uma loja aberta, e irei sentir falta dos seus sorvetes um pouco caros mas muito gostosos — sem falar no waffle belga, e no chocolate quente que é feito pegando sorvete de chocolate belga, misturando com leite e aquecendo, basicamente um milkshake quente e...
Hmm....
E algumas coisas que não sentirei tanta saudades assim...
Como toda cidade ou pessoa, Haia também tem seus perrengues. Vou citar alguns, como aviso honesto pra quem estiver de mudança.
Falta de acessibilidade nos trams
Se Haia se esforça pra incluir a comunidade internacional, a HTM, sua companhia de transportes, dá mancada ao excluir pessoas que têm dificuldades com degraus.
Seus trams têm degraus altos e basicamente impossíveis de transpor sozinhos se você é um cadeirante ou tem um carrinho de bebê. Hey, HTM, demorou já pra ver isso! Por favor!
Menos estrutura de bike
Sim, a bicicleta também é onipresente em Haia, mas em Amsterdam é... mais. Lá há mais infra pras bikes, há mais presença delas; em Haia os carros são um pouco mais donos, achei a cidade menos gostosa de pedalar. Na verdade, minha bike ficou praticamente encostada lá, e muita gente irá alegar, com razão até, que isso foi mais culpa minha do que da cidade.
Mas é o que senti, fazer o quê?
Experiência mais rica
Os motivos pra morar em Haia não vêm ao caso, mas eu gostei não só pela cidade em si, mas também pela experiência. Morar em outra cidade na Holanda me trouxe outra perspectiva sobre o país.
Muita coisa que eu achava que era "coisa da Holanda" descobri que era coisa de Amsterdam. Acho que morar em mais de uma cidade enriqueceu minha visão do país, talvez mais do que décadas morando na Holanda, mas em apenas uma cidade.
E foi em Haia que, exausto e sem dormir após um longo processo de parto que acompanhei lado a lado das minhas duas paixões, vi o dia amanhecer sobre a cidade com minha filha nos braços, pela primeira vez pai, mudado pra sempre. Naquele momento o mundo se renovava, e eu sabia que era o primeiro das nossas novas vidas, minha, da Carla e da Babyduc. E, por ser a cidade que testemunhou isso e nos acolheu nessa hora, Haia sempre terá um lugar especial em meu coração.
A Bela cidade atrás das Dunas é minha tradução de Mooie stad achter de duinen, um dos apelidos de 's-Gravenhage, nome oficial em holandês de Haia, mais conhecida por aqui como Den Haag.