Uma das principais distinções expat - nativo aqui na Holanda é a capacidade de ser blasé diante de camundongos. Esqueça NT2 e falar holandês sem sotaque, Inburgeringscursus ou até mesmo gostar de drop, se você parou de dar piti diante de um camundonguinho, você está integrado.
Aliás, nós brazucas chamamos tudo de rato, né? Nunca vi um brasileiro dizer "tem camundongo em casa", a gente sempre diz "tem um rato" -- mas diga que tem rato em casa e o holandês vai arregalar os olhos, porque aí a coisa ficou séria! A placidês é reservada para a cohabitação com muizen (singular muis), não ratten (singular rat).
Porque, tipo, sim, rola uma certa política e tolerância batavo-roedora. "Enquanto os bichos não comem minha comida", disse um amigo holandês para quem eu me queixava sobre meu primeiro encontro com camundonguinhos, "eu não tô nem aí. Durmo tranquilo, ignoro os barulhinhos deles e boa".
Eu falo pra vocês que choque cultural é algo forte...
Bom, mas isso foi na época em que tinha acabado de chegar, era meu primeiro econtro com os pestinhas. Fiz até post no blog (hoje um clássico da primeira era do Ducs Amsterdam), a gente nem tinha ainda trazido nossos gatos do Brasil.
Sem o reforço do batalhão felino, tentei de tudo. Aprendi algumas coisas (que são verdade no meu caso, sua experiência pode ser outra, eu nem vou discutir):
Armadilha com cola eu achei que era uma forma humana de pegar os bichos, mas é o inverso, é horrível, e me arrependo profundamente de ter usado. Eu não recomendo.
Ratoeira, o que funcionou de isca foi o clichezento queijo mesmo - povo fala pra usar pindakaas, pão, bacon, presunto e um monte de coisas, mas nada disso funcionou comigo. O que funcionou foi queijo.
Mas só pra rat... hã, pra camundonguinho pequeno. Os gordos e grandes cheiravam e saiam andando, pensando "não fiquei gordo assim pondo nariz em armadilha, queridão, qui qui qui". Malditos.
Veneno funcionou zero, rosca, donut, conjunto vazio. Nenhum camundongo jamais comeu nada de veneno. Nem do natural, de feijão moído, que falam na internet. Joguei tudo fora -- o veneno mesmo tem que jogar em lugar especial, porque é KCA - Kleine Chemisch Afval, lixo químico pequeno. Existem pontos de coleta, mas eu levei até um carro que vem uma vez por mês no meu bairro (e em diversos bairros de Amsterdam, procure pelo seu) coletar lixo químico e afins. Em geral a página do seu stadsdeel ("subprefeitura") tem informações sobre isso.
Você também pode contactar o GGD (Saúde Pública Municipal). Eles oferecem um serviço de desratização, mas o que eles fazem é vir por veneno e, bem, veja acima: adiantou nada no meu caso.
(Se quiser arriscar, toma o link de contato em inglês, pronto (eu tenho coração mole, eu sei)...)
O que adiantou foi pra nós foi... gato. Outro clichê verdadeiro. Quando eu importei as duas bolotas de pelo ronronentas do Brasil, os camundongos desenvolveram um saudável respeito pela nossa casa.

Graças, aliás, principalmente à Boo. A Boo preda e não perdoa. E se eu fico testemunhando a caça, ela aleija o bicho e me traz, pimpona e orgulhosa, pra eu finalizar o serviço:
— Vamos Dani, eu sei que você é um felino excepcionalmente desajeitado, grande e feio (pra Boo, é pré-requisito ser felino para ser da família), mas você consegue agora, eu te ajudo. Toma, vai *patadinha no bicho todo troncho que se mexe um tico e eu pensando AAAAAGHH, mas mantenho a compostura porque não quero passar muito vexame na frente da Boo*.
— Vamos, Dani, finaliza ele. *cutuca, bicho se mexe*
– AAAAAAAAGHHHHHHH!
Odeio rato. Hã, e camundongo também.
Mas enfim, graças à Boo, a patrulha na nossa casa é cerrada e o perímetro é mantido. Graças à Boo, não ao Linus.
O Linus, na primeira vez que encontrou um camundongo, recebeu um conjunto completo de deméritos por não estar de prontidão e falhar em manter vigília, mas o que ele fez a seguir resultou em corte marcial por comportamento pulsilânime face ao inimigo: ele virou nas quatro patas e fugiu.
Durante os procedimentos do processo, ele apresentou a seguinte defesa:
- Oooh, Dani, meu papel é ser fofo e fazer companhia colenta pra você e as crianças, eu não me misturo com roedores, não é higiênico. Segurança Interna é trabalho da Boo...

Eu absolvi o peste, já tava no meu colo ronronando mesmo... roooomrooomroooomrooomroooom...

