Acho que eu vi um ratinho…

Friends and foesTá, vou contextualizar a última parte do post da "Praticidade européia", sobre a ida à loja em busca de conhecimento e iluminação acerca da propriedade felina de repelir camundongos.

Foi assim, era umas onze da noite, estávamos em casa, a noite prometia ser calma e a semana boa (era segunda. Eu devia ter desconfiado.) quando minha corrente de pensamentos foi interrompida por um:

- UaaAahUHHhauugh, UM BICHO!

Mal ouvi o grito da Carla na cozinha e vim correndo. Um bicho, que bicho?

- Eu não vi direito, acho que era um RATO!

- UaaAahh... hã, tem certeza?

- NÃO!

- Pra onde ele foi?

Ela me apontou um pedaço de parede intransponível, onde ela se juntava ao gabinete da cozinha.

- Huh, mor, veja, não tem por onde passar um rato por ali - eu era jovem e ignorante segunda passada.

- Mas... mas... tinha um bicho e foi por ali!

Procurei mais cuidadosamente e vi uma micro-frestinha de poucos milímetros.

- Por ali?

- Acho que foi.

Com isso me convenci profundamente de que não poderia, de maneira alguma, ser um rato. Digo, ratos são coisas redondas e a microfenda era achatada. Era auto-evidente que se tratava de uma lagartixa.

- Era uma lagartixa - sosseguei a esposa.

- Mas tinha um rabo!

- Lagartixas tem rabos!

- Era escuro!

- Eu... hã... tenho certeza... de que existem lagartixas escuras.

- Era peludo!

- E... huuh... com pelos.

- Lacertídaes... não.... TÊM... PELOS!

Sempre esqueço que a querida esposa é bióloga formada.

- Você tem certeza que tinha pelo?

- Não... quer dizer, foi rápido... ele passou aos pulinhos por ali.

- Hm. Lagartixas podem muito bem andar aos pulinhos. Veja.

Imitei com as mãos uma lagartixa andando aos pulinhos. Eu estava determinado a não ter um rato na minha cozinha num país estranho às onze da noite.

- Ela fazia assim? Era assim, não era? Tipo uma lagartixa?

Ela me olhou, olhou pra frestinha, olhou pra mim de novo... e resolveu entrar em negação junto comigo.

- É, deve ter sido uma lagartixa.

Sentamos na frente do computador, quer dizer, eu sentei na frente do computador, ela sentou na frente do eletrodoméstico (ela tem um Mac), pra colocar a conversa em dia com o povo do Brasil (maldito fuso horário), via chat. Não durou muito. A "lagartixa" colocou sua cabecinha com orelhas redondinhas de Mickey Mouse pra fora do fundo do gabinete. Pânico generalizado. O que fazer? O que fazer? Não tínhamos nada remotamente adequado ao combate de roedores, e nem onde comprar. Às onze da noite em Amsterdam só tem balada aberta. Fora disso, se não tem ninguém morrendo não tem serviço pra você, a não ser algumas pouquíssimas lojas de conveniência em postos de gasolina na periferia da cidade ou uma rara Avondwinkel, "loja noturna" que ainda persiste. Depois de uns vinte minutos correndo em círculos que nem aquele urso do desenho animado, incapazes de raciocinar, lembramos de uma Avondwinkel mais ou menos perto de casa. Fechamos tudo, deixamos o camundongo no controle do imóvel e nos mandamos pra lá.

Dez minutos depois estávamos diante da loja, que estava aberta ainda, mas com a porta trancada. O dono da loja nos viu do lado de fora, apertou o botão da trava elétrica e nos deixou entrar. Era um microbazar, desses de bairro mesmo, com coisas em geral. Era mal iluminado e bem, bem fuleiro. O dono da loja era um senhor de seus 120 quilos, cara de marinheiro holandês que faz a barba com navalha sem fio. Se tivesse nascido uns 350 anos antes seria o cozinheiro de um navio da Compania das Índias Orientais. Ele segurava uma lapiseira e fazia o desenho realista do rosto de uma garota de olhos claros. Eu elogiei o desenho. Perguntei se ele tinha algo pra cuidar de ratos. Ele pareceu não entender. A Carla disse que tinha um rato na nossa cozinha. Ele abriu um sorriso. Só isso?

- Ah, não se preocupe.

- Não?

- Amsterdam está cheia de ratos. Toda essa água, sabe como é. Eu mesmo tenho diversos na loja, correndo pra lá e pra cá.

Nesse minuto entendi porque uma das primeiras lições de holandês que eu tive, através de um site quando ainda estava no Brasil, era "de muis is in de doos".

- Mas o senhor tem algo pra lidar com eles?

- Não. Eu tinha ratoeiras, mas acabaram.

- E veneno?

- Veneno? Não, não pode vender veneno aqui em Amsterdam (não pode o escambau.)

- E o que devemos fazer?

- Oras, peguem um gato!

Nesse minuto assumi que ele estava tirando um sarro da minha cara. Voltamos pra casa, e a Carla lembrou que na verdade, todos os restaurantes daqui tem gatos, mesmo. Ele não estava tirando onda da nossa cara, ele estava sendo holandês (o que dá no mesmo, na maior parte do tempo.)

Gato na vitrine
Aqui gatinho tem emprego fixo, não ganha casa e comida de graça não.

Lembramos do Rafa, um amigo nosso que emigrou pro Canadá antes da gente vir pra Holanda e nos contava sobre visitas dos primos do Jerry. Ele nos ligou no Skype e ficamos conversando. Uma hora a Carla achou que viu o infeliz, eu peguei a vassoura e me levantei num pulo, pra grande divertimento do Salsa.

- Esquece. Dani, sério, esquece. Você não vai cacetar o bicho nunca! Eles são muito rápidos.

Tive a oportunidade de confirmar a previsão do Rafa logo depois que desligamos. Eu vi o vagabundinho e saí aplicando com determinação o método de Gus nele. Só rindo da minha performance, mesmo, coisa que aliás o filhodaputinha deve ter feito muito, na sua risadinha de rato, quiquiqui. Passaram através e ao largo dele os 3 golpes que tive tempo de aplicar antes do vagabundo desaparecer através de uma fenda que só uma lagartixa passaria.

Aliás, deixa eu esclarecer um lance. Tem três espécies principais de ratos que são um problema urbano. Tem o camundongo (Mus musculus),  tem o Rattus rattus, que, pelo menos os paulistas, chamam de ratazana. E tem o mais comum, Rattus norvegicus, o rato (ou rato marrom). O Mickey Mouse é um camundongo, e era um primo pobre dele que tinha na nossa cozinha, não o Rattus.

Enfim, fechamos o lixo, limpamos toda a sujeira visível, guardamos toda a comida em potes ou na geladeira, e fomos dormir um sono sobressaltado, assombrado por um putinho de míseros 4 centímetros que ria de nós nas sombras a sua maldita risadinha de ratinho. Vagabundo. No dia seguinte fomos à guerra.

Rolou uma faxina geral no apartamento, desmontei o gabinete do armário, limpamos tudo, compramos potes novos e maiores pra comida, zero lixo em casa. Cada ralo visível ganhou uma tampa. E pus armadilha embaixo do gabinete, e embaixo do fogão uma caixinha do veneno que "não podia" vender em Amsterdam. Até agora não mostra sinais de ter sido tocada e tudo parece no mesmo lugar. Lugar, aliás, que está uma beleza, precisa de ver. Nada como um ratinho pra impor um desejo de faxina que duas mães não conseguiram instilar ao longo de décadas de criação.

Esperamos que tenha sido somente um pestinha querendo ver se rolava uma vida confortável longe do frio (as temperaturas começaram a cair, outono chegou com tudo) e perto da lata de lixo, e que a reação o tenha assustado o suficiente pra ele se mudar e avisar os amigos de que lá não é legal. Por falar em latão de lixo, seu uso foi abolido em troca de latinhas menores e idas diárias ao KCA Depot. Só fazemos isso devido a uma bizarria do nosso bairro, que não tem uma coleta de lixo orgânico por algum motivo. Na maior parte da Holanda, você só joga no KCA Depot o lixo reciclável e tem que guardar em casa o lixo orgânico até a coleta específica pra isso passar.

E no fim das contas, resolvemos seguir o conselho do dono da loja, e estamos verificando o procedimento pra importar dois especialistas de São Paulo, pra ajudar na guerra. Sabe como é, combater fogo com fogo, pestinhas peludos com pilantras peludos. Vocês conhecem o Linus e a Boo? Os ratos de Amsterdam não. Por enquanto. 🙂 UPDATE: agora conhecem 🙂

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