Você conhece a coelhinha Nijntje? O nome original holandês confunde tanta gente (se pronuncia algo como "náintshe") que eles deram um nome que o mundo pudesse lidar melhor: Miffy. Mas pra gente ela sempre será Nijntje mesmo. Ou Nijn.
Demorei um pouco no meu conhecimento de holandês para me ligar a origem do nome: Nijntje vem de "koNIJNTJE", ou seja, coELHINHA em holandês. Fofo.

Coelhinha Nijntje, criação holandesa e sucesso comercial mundial
A Nijntje é criação de Dick Bruna, um holandês nascido e criado em Utrecht (a sua identificação com a cidade é muito forte, e é lá que fica o museu da Nijntje). O primeiro livro saiu nos anos 50 (1955, na verdade) e por décadas outros se seguiram. Mais de 30 livros depois, Dick Bruna se aposentou em 2014.
Eu já estava aqui quando ele se aposentou e já conhecia Dick Bruna desde que desembarquei. É meio que impossível não topar com ela. Está por toda a parte pela Holanda.

Entre sua estreia e sua aposentadoria, Dick Bruna construiu um império coelhístico. Além dos livrinhos, a Nijntje dominou tudo que é tipo de mídia, de desenho animado a teatro, músicas e, sim, claro, a web.
E não só mídia. Merchandising também. O império comercial da coelhinha é impressionante. Ela ajudou e ajuda a vender tudo que é tipo de produto. Tem inclusive uma loja dedicada somente a produtos dela em Amsterdam (que eu indiquei nesse roteiro aqui).

A maioria dos produtos é para crianças, mas nem todos: tem pijama da Nijntje até para adultos!
O que será que Nijntje tem de especial?...
E essa onipresença mais esse sucesso entre, tipo, todo mundo, me intrigou quando cheguei aqui. Na verdade, até impliquei um pouco.
Me parecia mais uma versão local da Hello Kitty, super comercializada mas sem muita alma por trás.
Pra te confessar a real, eu meio que atribuí ao nacionalismo holandês a implicância de que a Hello Kitty é que era na verdade uma cópia da Nijntje (se é ou não, não sei. Sei que a Hello Kitty veio só em 1974, depois que a Nijntje já tinha idade para beber nos Estados Unidos, 21 anos).
Olhava aquelas linhas simples e grossas, cores fortes e primárias e pensava. "Que tem de especial?"
Dick Bruna dominou a arte da língua universal das crianças
Aí eu tive filhos. Mesmo sem querer, comecei a acumular coisinhas da Nijntje para a Bebe que iria nascer: as pessoas davam de presente (novos e usados) os brinquedinhos, roupinhas e... claro, livrinhos.

A conexão da coelhinha com a bebe foi rápida. Logo comecei a ler para ela e as primeiras historinhas foram da Nijntje, eu me esforçando para traduzir as rimas do original em holandês. (Existem traduções oficiais em português, mas aqui é mais fácil comprar no original - e ainda ajuda ajuda a aprender o holandês).
Lembro de um dia levando a Babyduc para uma livraria infantil e dizendo para ela escolher um livrinho. Eu estava esperando até que ela escolhesse um da Nijntje, mas não. Ela foi direto para um de bichinhos da fazenda.
Era desenhado por Dick Bruna. Minha ficha começou a cair: Bruna não falava pra mim. Ele falava direto para seu público, seus desenhos conectando imediatamente com a criança pequena.
Comecei então a estudar a sua arte, e fui entendendo o quão poderosa era, e o quanto a simplicidade era fruto de uma profunda compreensão artística do mundo. Sua arte contém referências riquíssimas, dialogando com outros artistas. Como Matisse, Léger, Werkman e outros membros do movimento De Stijl. Isso ficou muito claro numa excelente exposição do Rijkmsuseum, chamada "Dick Bruna, Artista".

Nessa exposição, que fui com a minha família, fui notando que o desenho de Bruna não era simplista; eu sim, havia sido simplista em meu julgamento. Bruna tinha uma sensibilidade que permitia destilar a realidade em suas formas fundamentais.
E, por fim, eu passei a enxergar o que as crianças viam de imediato.
Obrigado pela companhia, Nijntje! A gente vai se ver muito ainda.
A aposentadoria de Dick Bruna trouxe uma grande celebração de sua obra pelo mundo (e Amsterdam foi invadida por grandes estátuas da Nijntje feitas por diversos artistas). Para nós, pouco mudou. Continuei lendo os livrinhos para meus filhos do mesmo jeito, sem notar que, com eles no meu colo ouvindo e vendo a arte de Bruna, a conexão emocional com a coelhinha estava se formando em mim também.
E talvez por não ter notado o quão forte essa conexão havia se estabelecido, me surpreendi com a minha reação ao ouvir semana passada a notícia do falecimento de Dick Bruna. Sem querer, comecei a chorar.
Mas tudo bem: foi apenas um dia entre tantos de alegria que ele trouxe e continuará trazendo por muito tempo. Se algum dia eu tiver netos, eu sei que eles terão a companhia de uma querida coelhinha.
