As pessoas vêem a Holanda hoje tomada por bikes e pensam que sempre foi assim, que o ciclismo na Holanda é uma consequência natural e espontânea saída de sonhos e derivada da geografia plana do país. Não foi bem assim.

Uma plantação de bikes na Holanda... (Foto: Daniel Duclos)
Antes da segunda guerra mundial, havia mais bikes do que carros, bem mais - carro ainda era coisa meio rara no mundo. Mas depois da Guerra, o quadro foi se invertendo. A partir dos anos 50 o carro era dominante e foi se tornando cada vez mais nas cidades holandesas.
O problema do carro
O problema é que as cidades não foram construídas para carros — isso resultou em remodelação das cidades, inclusive removendo muito da infra de bikes.
Essa preferência por carros teve consequências. A situação ficou crítica, com as cidades entupidas por carros e um grande número de crianças morrendo nas ruas e estradas derivado de acidentes automobilísticos. Em 1971 houve 3300 mortes no trânsito, sendo 400 de crianças (ou 500, dependendo da fonte. Tenha em mente que a população da Holanda nos anos 70 era diferente de hoje).
Isso revoltou a população, cansada de carros pondo em risco as pessoas nas ruas, a desumanização das cidades sendo adaptadas para servir aos carros em vez das pessoas, a poluição, engarrafamentos e, sim, a morte de crianças.
Protestar para mudar
Protestos explodiram por todo o país. Começou uma campanha chamada "Stop kindermoord" (Pare o assassinato de crianças!), que ganhou grande apoio popular.
O governo foi pressionado a mudar, e nesse cenário a crise do petróleo dos anos 70 só dificultou ainda mais sustentar o modelo automotivo como dominante. Era preciso mudar.

Na foto, vemos uma manifestação de ciclistas ocupando a rua que cortava a Museumplein, na frente do Rijksmuseum. Hoje em dia não existe mais essa rua, é uma praça gramada e temos o icônico I AMSTERDAM na frente do museu. Isso não era assim e não veio de graça - a foto mostra parte da luta pela atual situação. [FOTO: autor desconhecido, citada de NL Cycling, ver fontes e referências]
As bicicletas se tornaram trânsito e inclusive eu já listei 10 dicas para você andar de bicicleta em Amsterdam com segurança.
Coisas boas na sociedade raramente ocorrem sem luta
Logicamente esse processo não foi rápido — os protestos entraram nos anos 80 — mas a bicicleta se popularizou cada vez mais, se impondo nas cidades e no trânsito.
A geografia plana do país ajuda? Sem dúvida, mas usá-la como explicação para o sucesso das bikes na Holanda é simplista e não corresponde à história do ciclismo no país. Plana ou não plana, a Holanda estaria hoje afundada em automóveis não fossem iniciativas populares apoiadas pelo governo.
O objetivo desse artigo não é comentar ou comparar com a situação nas cidades brasileiras - a intenção é mostrar que o ciclismo na Holanda não veio de graça caído do céu, presente natural de uma geografia favorável, mas resultado de mais de uma década de luta do povo holandês.
Compartilhe para que as pessoas saibam que coisas boas na sociedade raramente ocorrem sem luta...
E quando estiver aqui, pegue a minha dica de como alugar sua bicicleta em Amsterdam porque...

...Um país que se move sobre duas rodas é muito bom, e vale a luta. (Foto: Daniel Duclos)
Artigo originalmente publicado em 2014 e atualizado agora.
Fontes e referências
- How the Dutch got their cycling infrastructure
- Wikipedia: Cycling in the Netherlands
- NL Cycling [Vídeo]: How the Dutch got their cycle paths
- BBC [Vídeo]: How Child Road Deaths Changed the Netherlands
- HOLLAND IN THE 1970S: Dutch campaigners explain why the Netherlands is now so cycle-friendly
Muito bom sua publicação. Parabéns!
Boa iniciativa do povo com o governo.?
Repare em acréscimo as questões do custo que foram muito importante para os holandeses baixarem os custos de mobilidade ao adotarem a bicicleta. Repare por exemplo que o brasileiro médio trabalha quase metade do ano, isto é 600 Reais por mês, para pagar as despesas totais do seu carro. Elas são o seguro, DPVAT, o combustível, as vistorias, reparações, manutenção preventiva, possível crédito automóvel, depreciação do veículo, IPVA, DPVAT, taxa de licenciamento, lavagens, eventuais multas, pedágios e estacionamento. Esse custo total ultrapassa muitas vezes os 1000 Reais por mês, mas as pessoas não fazem essa contabilidade porque as contas que se pagam aparecem distribuídas pelo ano em diferentes parcelas. Faça você mesmo as suas contas em autocustos.info/BR e poderá ficar surpreso com o resultado final! Pense depois quanto ganha por mês e quantos meses tem de trabalhar para suster o seu carro!
Você poderia passar mais detalhes de como foi esse processo de protestos e "luta"?
Oi Felipe,
As referências que o Daniel coloca no fim do post talvez seja um começo para a sua pesquisa de detalhes sobre esse processo 🙂
Ducs, onde comprar uma bicicleta usada com preço bom em Amsterdam? Obrigada!