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Um passeio a pé pela história de Amsterdam

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“Você tá mudando pra Amsterdam, é? Sei…”

Dava pra praticamente ouvir o sorrisinho das pessoas pelo telefone quando eu contava. Yeah, o sorrisinho de lado de “sei bem o que tu quer menino. Amsterdam, ahã”.

Pra ser honesto, esse “sei bem” nunca me atraiu, mas eu sabia quase nada sobre a cidade antes de vir pra poder responder. Então, quando cheguei me pus a explorar Amsterdam e me apaixonei perdidamente (literalmente; isso era antes dos smartphones com GPS e Google Maps).

E aos poucos fui montando uma cidade minha, que eu via e que amo compartilhar. Pequenos detalhes se tornaram janelas pra uma cidade com uma historia curta, mas imensamente rica.

Se você vier comigo, eu vou te levar pra uma caminhada pelo centro de Amsterdam e te mostrar um tico da cidade que eu vejo.

Bora? Tá com a câmera e a mochila? Então vamos.

Grafitti na Spuistraat

Grafite com bike em Amsterdam

Vamos começar andando pela Spuistraat, acessando logo ali atrás do Dam. É um bom começo.

Quanto grafite! Eu não sei você, mas eu adoro ver e fotografar grafite. Tá, eu sei que é algo controverso, tem gente que chama de vandalismo, e grafite não é pichação.

O grafiteiro britânico Banksy certamente é reconhecido hoje como um artista pleno, quer ele goste disso ou não.

De toda a forma, é inegável o aspecto subversivo da arte de rua (eu acho que é arte), já que muitas vezes é feita sem autorização do dono do imóvel. Só que Amsterdam tem seu lado subversivo, então os grafites são uma boa expressão de sua alma.

Vamos dar uma paradinha na frente do prédio número 199? É aquele inteiramente grafitado, não tem como errar. Em 1983 esse prédio foi ocupado por membros do movimento de "squating" (ou "kraken" em holandês) de Amsterdam, ou seja, pessoas, em geral jovens, que resolveram se revoltar contra o esquema de especulação imobiliária que dominava na cidade, deixando prédios vazios e pessoas sem ter onde morar.

A atitude de ocupar prédios destinados à especulação virou um grande movimento social, chegou a paralisar a cidade em grandes manifestações nos anos 80. Hoje, está virtualmente extinto: em 1 de junho de 2010, o squating foi considerado crime na Holanda.

O prédio 199 é habitado até hoje por artistas e profissionais da área criativa.

Já que estamos na Spuistraat, vamos continuar nela até desembocar na Spui, que é uma praça que gosto no centro de Amsterdam.

Jardim das Beguinas e outras supresas na Spui

Entrada pro jardim das Beguinas em Amsterdam

Compondo a atmosfera, tem os prédios da Universidade de Amsterdam, e compondo minha alegria tem duas das minhas livrarias favoritas na cidade, a Atheneum e a American Book center.

Repara que ao lado da American Book Center tem uma porta grande? Se você ficar parado um tempo, vai perceber que há um entra e sai de pessoas. O que será que tem atrás?

Vamos ver?

Escondido em plena vista, está o Jardim das Beguinas, um improvável refúgio de paz no centro de Amsterdam. Beguinas eram mulheres que por qualquer motivo queriam viver uma vida religiosa e retirada, mas não queriam ser ordenadas formalmente como freiras. Elas criavam suas próprias comunidades, meio escondidas, e essa de Amsterdam existe desde a Idade Média.

A última das Beguinas de Amsterdam morreu em 1971, mas até hoje moram só mulheres nas casas.

Ok, de volta à Spui.

Antes de continuar: olha ali, repara que na frente da Atheneum tem uma estátua, não muito grande. A maioria dos turistas nem sequer percebe o homenzinho de mãos na cintura com um sorriso sarcástico. E quem nota provavelmente nem sabe que na frente dela os Provos se reuniam nos anos 60, um movimento de contra cultura e arte provocativa (daí o nome).

Ah, esqueci, hoje é sexta feira? Então demos sorte: é dia da feira de livros da Spui. Eu não sei você, mas eu vou perder algumas horas sujando meus dedos nas caixas de livros, fuçando pôsteres, buscando cartões postais antigos com retratos da cidade em outras épocas (é legal notar a data da foto não pelos prédios — esses continuam os mesmos — mas pelas pessoas e suas roupas).

Tá, agora vamos. Vá até a ponta da Spui, e entre na Voetboogstraat. Sim, é quase um beco. Entre sem medo.

Estátua do Castigatio

Estátua Castigation em Amsterdam

Andando pela Voetboogstraat você vai passar pela portinha do que é considerada a melhor batata frita de Amsterdam, ali no número 33. Você vai achar pela fila bem antes de ver número.

Vamos resistir à tentação um pouco e continuar mais adian...

Ah, você quer a batata? Tudo bem, é uma das especialidades da cidade, mesmo. Só que agora tem que pedir com maionese. Não faz essa cara, você que quis parar. Diz pro moço “met mayo”.

De nada 🙂

Ok, agora sim, vamos continuar até o fim do beco. Olha bem na sua frente, já na outra rua, um portal com uma estátua escrita “Castigatio”. Forte, né?

A história é a seguinte: depois de torturarem o assistente de alfaiate de 16 anos, Ernst Jansz, jovem de boa família, ele confessou dois pequenos roubos do seu chefe. Como ele tinha um bom temperamento (e era de boa família), o pessoal da época resolveu mostrar clemência e, em vez da tradicional tunda de chicote em praça pública, mandaram ele pra prisão, com a ideia de recuperá-lo. Pena que não havia prisão em Amsterdam em 1588. Em vez de deixar o nosso Ernst em paz, construíram a Rasphuis, a prisão de Amsterdam.

Lá eram jogados os jovens transviados da sociedade, para serem “recuperados” através de trabalhos forçados e outros meios disciplinadores. Caso algum se recusasse a trabalhar, era jogado em um porão. Para maior efeito pedagógico, inundavam lentamente o porão, não sem antes fornecer uma pequena bomba d'água manual, tornando mais concreta a existencial questão de "trabalhar ou morrer".

Mas tamanha mão-de-obra barata não poderia ser desperdiçada assim, tirando água de porões. Por um tempo, a Rasphuis teve o monopólio no processamento do Pau-Brasil (sim, o tirado do Brasil) em tinta, movido a delinquentes arrependidos (ou em processo de arrependimento).

Em 1815, a prisão foi fechada, e em 1892 o prédio foi demolido. Um dos portões da prisão sobreviveu, e a escultura acima dele também.

Hoje em dia é a entrada de um shopping center, o que mantém o nome da estátua combinando com minha sensação de ir ao shopping.

Em vez de entrar nele, vamos virar à esquerda e ir até a Kalverstraat e quebrar a direita nela. Sua visão será essa:

Munttoren

Vista da Munttoren a partir da Kalverstraat

Tá vendo aquela torre ali no fim da rua? É a Munttoren, ou “torre da moeda”. É a antiga “casa da moeda” de Amsterdam, mas, tipo, antiga mesmo: tô falando dos anos setenta. Mil seiscentos e setenta.

Ela foi casa da moeda por pouco tempo, durante o “Ano do Desastre”, quando meia Europa declarou guerra à Holanda, e ficou muito inseguro transportar dinheiro pelo país, e a cidade resolveu cunhar o seu próprio.

Bem antes disso, a Munttoren era o portão da cidade, a entrada sul do muro medieval que cercava Amsterdam. Quando ele foi desmantelado, eles preservaram o portão.

Não adiantou nada preservar, porque ele pegou fogo, e precisou ser reconstruído (daí a plaquinha de 1620 que você vê logo abaixo do relógio).

Hoje em dia a torre abriga um carrilhão.

Não sabe o que é? É um instrumento musical feito de sinos. De sábado, entre duas e três da tarde, o tocador oficial de carrilhão da cidade dá um concerto. É lindo, e eu amo morar numa cidade que tem um cargo de tocador oficial de carrilhão...

Os nomes das pontes de Amsterdam

Bom, agora temos algumas opções. Vamos fazer o seguinte, vamos descer margeando o Amstel. Primeiro porque o Amstel é lindo de morrer, e depois eu quero te mostrar um detalhe em uma ponte.

Poderia ser qualquer ponte, ou quase, mas vou te levar numa que é bem típica e linda, a Magerebrug, algo como “Ponte Estreita” em holandês. É uns 850 metros daqui. Topa?

Legal. Eu vou ficar quieto até chegar lá, mas não por falta do que dizer. É pra você ir observando e ir descobrindo também as suas impressões...

OK, chegamos. Mas eu não quero falar da ponte em si, depois te conto a história dela. Olha ali do lado, a inscrição em ferro do nome da ponte.

Letreiro da magere Brug em Amsterdam

Sim, essas letras fazem parte da foto, não foram inseridas via pós edição. Sério.

Todas as incontáveis pontes de Amsterdam tem um nome, e na maioria esse nome está inscrito em letras de metal em algum ponto.

Eu acho o design da fonte desses nomes lindo.

E é parte da história da cidade também: no começo do século 20, surgiu um estilo de arquitetura chamado Escola de Amsterdam, influenciado pela movimento artístico De Stijl (o Mondrian participou desse movimento), e pelo expressionismo alemão.

Anton Kuvers, parte da Escola de Amsterdam, era artista gráfico, designer gráfico e industrial e trabalhava pra prefeitura na época em que esses nomes nessa fonte foram instalados. Muito provavelmente é o artista responsável por projetar a fonte, que tem influência no design da cidade até hoje.

Vamos encostar um pouco aqui e olhar o tráfego de barcos, e a bela Ponte Alexander III com o Muziektheater ao fundo (onde você pode ouvir óperas e outras apresentações musicais com uma acústica excepcional).

Agora vou te deixar um pouco, mas você pode continuar. Se você pegar a direita e ir pra outra margem do Amstel, tem o Hermitage, e de lá você pode subir pro centro de novo, vendo muitas coisas bacanas.

Se pegar a esquerda, pode se perder e explorar o cinturão de canais que está comemorando 400 anos agora em 2013.

Seja qual for sua escolha, a cidade está aberta pra você. Explore, viva, ande e, quando você se der conta, verá que nesse caminho você tornou Amsterdam também um pouco a sua cidade.

Bem-vindo.

Mapa do trajeto percorrido.

Post dedicado ao Michel Zylberberg do Rodando pelo Mundo. Abraço, Michel, e obrigado!