As cidades européias estão cheias de pegadas dos séculos de história que passaram por elas. Apesar de Amsterdam ser considerada uma cidade jovem pra Europa, o ano de 1275 já vai longe e muita água rolou embaixo das milhares de pontes da cidade. Problema é, mesmo que você note aquela imensa construção na sua frente, é fácil olhar e dizer "bonito" e passar batido sem saber o que acabou de ver. Nessa hora, um pouco de pesquisa antes faz toda a diferença entre o turista comum e aqueles que buscam realmente conhecer por onde andam.

Se você está procurando um roteiro de um passeio curto a pé, muito bonito e cheio de história, venha junto na caça ao antigo muro medieval da cidade de Amsterdam.
Distância: cerca de 1250m (1,25 Km)
Tempo: 20 minutos a meia hora, parando pra tirar fotos com calma 🙂
Início: Muntplein
Término: Schreierstoren, pertinho da Centraal Station
Um pouco de história: O Antigo muro da cidade
Quando Amsterdam pegou fogo e queimou até o chão em 1421, o Príncipe Maximiliano da Áustria (que mandava na região na época) liberou a cidade de pagar impostos até se reconstruir, devido à sua grande importância comercial. Mas essa importância comercial também a tornava um alvo potencial daqueles bem gordos. O Príncipe aproveitou o ensejo pra mandar Amsterdam parar de enrolar e construir duma vez um muro pra protegê-la, coisa que a cidade não tava muito a fim de fazer. Amsterdam, cercada por pântanos, se achava razoavelmente segura e não via necessidade de construir um muro. Além do quê, construir um muro de pedra num terreno pantanoso ia dar um trampo razoável: primeiro eles teriam de drenar o terreno. E por último, os asmterdameneses meio que se orgulhavam de ter uma cidade aberta.
Isso durou apenas até Amsterdam ser atacada, claro. Lá por 1480 a cidade estava metida em um stress com Utrech, e tropas da cidade rival tomaram um posto avançado de Amsterdam e lá tocaram o horror, cometendo todo tipo de violência. De repente, um muro pareceu uma grande idéia. Amsterdam passou quase 30 anos num grande e caro esforço de construir o muro. No fim ele cercou a cidade e tinha 3 portões. Foi inaugurado com pompa em 1508. Quando terminou, ele passava por aqui:

Veja um mapa da época em que o muro existia, mostrando a cidade vista do alto. Se você clicar nele verá uma versão maior. Depois que ler o artigo todo, você pode se divertir indentificando os locais por que passou, claramente representados no desenho 🙂

Infelizmente, apesar de todo o esforço para construí-lo, cerca de cem anos após sua inauguração o muro era apenas uma curiosidade entre os habitantes, sem função devido à expansões da cidade. Em 1600, foi demolido. Sobreviveram à destruição apenas três pontos, que podem ser visitados hoje. Vamos ver quais.
Primeira parada: Munttoren
Como chegar?
Vamos começar o passeio na Muntplein. Pra chegar nela, vindo do Dam, simplesmente desça a Rokin. Se vier da Rembrandtplein, suba reto pela Reguliersbreestraat. Se estiver fazendo compras na Kalverstraat, a Muntplein fica no fim dela. Passam perto os trams 4, 9, 14, 16, 24 e 25, então não tem como errar. É aqui, ó:
O que ver?

Na Muntplein se localiza a Munttoren. O nome esquisito quer dizer algo como "Torre da Moeda". Antigamente a torre era parte do Regulierspoort, o portão sul do muro da cidade. Já sem função em 1613, destruíram a parte direita do muro pra construir uma fábrica de vidros. Em um incêndio dois anos mais tarde, apenas a casa da guarda e uma parte de uma das torres do portão sobreviveram. A torre foi reconstruída no bonito design que existe até hoje, com relógios e um carrilhão.
Não sabe o que é um carrilhão? É um instrumento musical feito de sinos. Você pode ouvir o carrilhão da Munttoren tocando automaticamente nos quartos de hora. E de sábado, entre duas e três da tarde, o tocador de carrilhões oficial da cidade (sim, isso existe) dá um concerto ao vivo na torre. Eu já ouvi e é lindíssimo.

E de onde que vem o nome Munttoren? Em 1672 o bicho pegou pra Holanda: Inglaterra, França e mais algumas cidades alemãs declararam todas ao mesmo tempo guerra total à Holanda. No "ano do desastre", como os holandeses carinhosamente apelidaram o período, ficou altamente inseguro transportar ouro e prata, o material de que eram feitas as moedas, pela Holanda, com tantos exércitos invasores por aí. Daí Amsterdam recebeu permissão especial pra cunhar suas próprias moedas. E adivinha onde eles começaram a fazer isso? Biduzão.
Atrações perto
Antes de continuar viagem, você pode aproveitar e olhar o famoso mercado flutuante das flores, ali do lado na Singel. Ou você pode descer 150 metros até a Rembrandtplein, uma praça famosa cercada de bares e cafés. Pronto pra continuar?

Segunda parada: Nieuwmarkt e De Waag
Como chegar?
Saindo da Muntplein, procure o Hotel de L'Europe. Atravesse em direção à ele. Do lado esquerdo tem uma ponte, atravesse por ela e basicamente vá andando reto até ver o De Waag no Nieuwmarkt.
O que ver?
A esta altura você já avistou a construção em forma de castelo. A praça em volta dele chama-se Nieuwmarkt, espaço para feiras construído depois que o muro foi demolido (daí o nome: Mercado Novo). Até hoje tem feira lá todo o dia. E de sábado tem uma feira orgânica.
A construção em forma de castelo chama De Waag, e era o outro portão da cidade. Sem o muro, ele ficou sem servir pra muita coisa, mas logo o converteram na casa de pesagens do mercado. Antes do estabelecimento de pesos e medidas internacionalmente aceitos, era muito importante um lugar público onde os pesos das mercadorias fossem controlado, e pra isso servia a casa de pesagens (em holandês: De Waag. Achou a origem do nome? 🙂 )
Hoje opera lá um restaurante/café. Apesar de um pouco caro, é interessante tomar um café em uma construção mais antiga do que o Brasil (o De Waag foi construído em 1488). Nós jantamos lá certa vez e a comida era excelente, apesar da Carla ter pago um dos sucos de laranja mais caros do mundo. Tá, não sei se do mundo, mas dos Ducs foi.
O Nieuwmarkt também tem uma história triste: durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial, a praça era cercada por arame farpado e lá se reuniam os judeus dos bairros judaicos que iriam ser mandados para os campos de concentração.
Atrações perto
Perto do Nieuwmarkt há a pequena Chinatown de Amsterdam. Mas uma atração bem mais popular é o De Wallen - o famoso Red Light District, onde as meninas se exibem nas vitrines para turistas, clientes e moradores. A Oude Kerk (Igreja Antiga) também fica ali perto, marcando o início oficial do Red Light District. É sempre curioso de ver uma igreja cercada de prostitutas a trabalhar, e a polícia a patrulhar tudo. Bem-vindo a Amsterdam.
Terceira parada: Schreierstoren
Como chegar?
Basicamente, continue reto depois do Nieuwmarkt subindo pelo Geldersekade. É bico. Ao longe você já avistará a seção do muro conhecida como Scheierstoren. É, desta vez, nada de portões.
O que ver?
O Scheirentoren é uma seção do muro que ficava bem no canto, no finalzinho dele. A origem do nome é controversa. Em holandês "schreien" é chorar. Como a torre (a mais antiga que ainda está de pé - lembre-se que a Munttoren foi reconstruída) fica na frente pra baía, logo se formou uma lenda que as esposas e mães iam até ela chorar ao dar adeus aos bravos marinheiros holandeses que partiam em direção à terras estranhas. Nossa, só de escrever meus olhos se encheram de lágrimas. Infelizmente é tudo mentira. O nome vem de schreye, agudo, afiado. Se você reparar na forma, irá notar que a construção é feita num ângulo agudo por ficar no canto do muro.
Lá também tem um café, se você estiver no pique.
Atrações perto
Ah, já acabou? Bem, pertinho tem a Igreja de São Nicolau (Sint Niklaaskerk), santo padroeiro dos marinheiros (e daí, de Amsterdam) e das criancinhas (dando origem à figura do Papai Noel).
Bônus: Logo perto você também avista a estação central (Centraal Station). Mas como bônus em seu passeio, sugiro fazer o seguinte: Vá em direção à Centraal Station, atravesse a ponte (Kampersbrug), vire a direita e passe pelo terminal de ônibus. Vá reto e pegue uma passarela sobre a baia. Você deve estar vendo o restaurante chinês flutuante na sua frente. Vá indo. Logo depois dele, a sua esquerda está o prédio da biblioteca municipal de Amsterdam (Openbare Bibliotheek Amsterdam). Entre nela. Vá subindo as escadas rolantes, vendo o interessante design, até o último andar. Procure uma escadaria larga e suba-a. Você sairá no restaurante self-service da OBA. Vá até a sacada do restaurante e aproveite uma linda vista da cidade de frente pra você.
Se quiser, pegue um doce no La Place, e faça uma parada mais econômica, aproveitando a vista. Tem banheiro (não precisa consumir no restaurante pra usar, mas custa €0,20) e pode ser um bom ponto de pit-stop no seu turismo por Amsterdam.
O caminho completo
Aqui está um mapinha do Google com o caminho completo. Se você clicar na opção "Ver o mapa grande", irá abrir a página do Google. Ache a opção "Print" e imprima o roteirinho pra você 🙂
Fontes
A partir daqui você pode ignorar, a não ser que você realmente seja fanático por história e queira pesquisar mais por você mesmo. Estas são as fontes que eu consultei pra escrever este artigo.
Berts Geschiedenis - Sint Antoniespoort (Amsterdam) (1488)
Berts Geschiedenis - Stadsmuren en -poorten van Amsterdam
Berts Geschiedenis - Regulierspoort (Amsterdam) (1480 - 1487)
Berts Geschiedenis - Stadswallen, poorten en torens
Google Maps - Amsterdam
Lonely Planet - Amsterdam (p. 77)
Mak, Geert. Amsterdam - A Brief life of the city. (pp. vi, vii, 46, 56-59)
Time Out Amsterdam
Wikipedia - Nieuwmarkt
Wikipedia - Munttoren
Wikipedia - Rampjaar
Wikipedia em NL - De Waag (Amsterdam)
Wikipedia em NL - Munttoren (Amsterdam)