Um ano atrás eu perdi meu irmão mais novo e compartilhei a dor que estava sentindo com vocês nesse artigo que eu nunca queria ter escrito. Um ano depois, ainda dói, mas eu aprendi algumas coisas.
1. Continua doendo, mas sigo a caminhada
Quando recebi a notícia da morte do meu irmão, eu estava meio que dormindo - era cedo, umas sete da manhã de sábado, a Carla me acordou.
Foi como um choque físico por mim, o primeiro impulso da mente rejeitando a nova informação com violência NÃO!
NÃO!
Quando a realidade se impôs, inexorável, inegociável, inegável, veio a dor, uma dor infinita e funda.
Uma dor tão absurdamente grande que entrei em pânico. Minha mente não abarcava. Mas aí eu lembrei.
Lembrei de deixar a dor escorrer. De não tentar segurar, de não tentar evitar, de deixar ela fluir numa torrente passando por mim, escoando infinita e forte vinda do meu peito percorrendo meu corpo e escorrendo no chão.
Escorria e escorria e eu lembrava:
Respira. Não segura. Respira. Deixa fluir, deixa fluir. Doía, passava doendo, e vinha mais, mas eu deixava fluir e respirava.
Passei uns dois dias assim, sendo lavado pela dor torrencial.
Aos poucos, fui sendo capaz de me mexer, de pensar com um pouco mais de clareza e perceber que não podia ficar no chão.
Que precisava levantar mesmo doendo, que a ferida era real, mas a batalha continua e precisam de mim.
"Amanhã o sol vai se levantar" pensei eu, "e vou ter que me levantar com ele, doendo ou não.”
Doendo muito, sangrando demais, fiz o que precisava ser feito.
2. O caminho da cura é comprido, mas precisa ser percorrido
Ir para o Brasil foi o primeiro passo no comprido caminho para cura. Eu contei como foi aqui. Importante, difícil, doloroso, necessário, apenas o primeiro.
O segundo passo foi fazer a minha tatuagem em homenagem ao Miguel, como contei aqui. Eu conversei com o tatuador, ele desenvolveu um conceito, aprovei (e me emocionei) e fiz a tatuagem no começo desse ano.
Serviu para exteriorizar coisas que eu tinha dentro de mim. Uma, meu irmão é parte de mim, e agora isso está visível do lado de fora também. Mas não era só isso.
Eu queria fazer algo que doesse e sangrasse, mas com o tempo cicatrizasse em algo bonito.
A tatuagem cicatrizou. Eu estou seguindo o exemplo.
3. Eu não caminho sozinho (o que dizer quando não há palavras)
Eu tive o apoio essencial de pessoas muito queridas e próximas, e eu tive o apoio de gente que eu nem imaginava que me acompanhava, e eu tive apoio de gente totalmente estranha, que nem sequer me conhecia antes.
Alguns poucos abandonaram a estrada, mas a maioria ficou, e quem ficou caminhou junto, ofereceu um ombro, segurou como pode, compartilhou histórias (Bill Watterson uma vez escreveu "compartilhe, e ficará surpreso com o que as pessoas compartilham de volta"), me ouviu, fez uma pequena gentileza ou de alguma forma esteve lá.
Eu recebi mensagens em diversas línguas de diversas partes do mundo de gente que reagiu à minha história e estendeu uma mão. E eu notei um padrão. Muita, muita gente começava dizendo "nem sei o que dizer, não existem palavras que consolem..."
E eu pensava da mesma forma, e nunca sabia o que dizer até que estive do outro lado. Então eu soube.
Nessa hora de dor infinita, de uma imensa tristeza que ameaça de afogar, tão grande que é impossível carregar sozinho, mostre que a pessoa não está sozinha e reconheça sua dor.
Reconheça sua dor. Só isso - não precisa amenizar, não precisa explicar, eventualmente a pessoa irá achar seu próprio caminho para a cura, mas na hora: eu sei que está doendo muito. Eu estou com você. Aceite meu abraço.
E, se puder, tome conta de algum aspecto prático da vida para a pessoa, porque aspectos práticos mundanos se tornam tarefas impossíveis no momento do impacto e nos dias que se seguem.
Eu sei que dói. Já pus agua pros gatos e fiz comida pros seus filhos. Pegue esse lenço que lembrei de trazer. Aqui está um chá, se você quiser. Eu estou aqui e você não está sozinho.
(E se você quiser ficar sozinho, tudo bem. Eu estarei aqui quando você voltar).
Mesmo pequenos gestos contam - não só ajudam, como também passam essa mensagem:
Eu me importo. Eu estou aqui. Você não está sozinho.
4. Há sempre um caminho
Um ano depois, aquela dor ainda passa por mim, agora mais em surtos súbitos do que em um fluxo torrencial e infindável. E ainda choro quando eles vêm. Eu aceito que a caminhada dói. A dor é inevitável, mais do que inevitável, necessária para a cura: anestesiar é fugir do caminho.
E sempre há um caminho. Ele está lá eu querendo ou não, e somente eu posso decidir se quero ou não seguir.
Eu sigo caminhando e levo meu irmão comigo. É meu amigo, e mesmo sentindo falta de sua conversa, eu sigo; a gente sempre se entendeu, mesmo em silêncio.
Para a minha mãe, com amor.