Pra mim, a relação dos holandeses com o café pode ser definida do mesmo jeito que a relação dos brasileiros com a cerveja: "eles gostam tanto, bem que podiam aprender a fazer." Hoje eu já me acostumei, ou melhor, me conformei com a aguinha suja que escorre das onipresentes Senseos, e consigo tomar diversas xícaras, e algumas vezes nem é por preguiça de coar um café decente. Mas nem sempre foi assim. Ao chegar o choque foi grande, primeiro ao nos depararmos com o bizarro conceito de koffiepads e a traquitana que os consome.
A senseo holandesa

A Philips (alias, uma empresa holandesa, vocês sabiam, né?) se juntou à Dowe Egberts e lançou um sistema de coar café automaticamente. Você enfia a água num compartimento, o pad ("sachê" em português) de café em outra parte, a xícara embaixo, aperta o botão e em questão de segundos tem em seu poder um aromático chazinho de café! Existem diversas variações, tanto no modelo da máquina quanto nos sabores do koffiepad. E você nem precisa ficar limitado à Philips e Dowe Egberts, já que como acontece com qualquer idéia bem sucedida comercialmente, pipocaram clones e genéricos das mais diversas estirpes.
Nossa primeira reação diante da inovação holandesa foi de profunda repulsa, o que ocasionou uma empreitada em busca da alternativa brazuca do café coado. De posse de nosso taruguinho, aposentamos a Senseo prematuramente e iniciamos as experiências com pós de café holandeses, ou disponíveis na Holanda. Há de monte, mas queríamos aquele ponto ideal de custo-benefício, entre ser gostoso e não causar nossa falência, o que eventualmente acabamos achando no Kanis Gunnink (nunca pensei que digitaria algo assim na minha vida, muito menos recomendaria. Mas taí).
Starbucks? Não, Coffee Company!
O choque cultural prosseguiu, porém, na rua. Aqui não há Starbucks (não que seja grandes perdas), amigos, pelo menos até a primavera. Encontrará feroz resistência no nicho já ocupado pela holandesa Coffee Company, e bem ocupado. Impossível não achar uma perto de você. Ao chegar em uma, pedi um espresso. Retornou a pergunta: "pequeno, médio ou grande?" Um italiano legítimo apenas riria dessa pergunta, mas eu me conformei e pedi um, hã, "pequeno", sem explicar para a pobre atendente, digo, "barista", que espresso é espresso, não há tamanho em um espresso. Você pode pedir um espresso duplo, caso em que você especifica, senão é o padrão de um espresso. Você não faz espresso "grande", ou seja, com mais água. Um espresso, simples, pequeno. Alstublieft.
E veio o que no Brasil se chamaria de um cafézinho carioca. Ok, vamos aprender a diferença entre nomes. O que os italianos chamam de espresso, no Brasil se chamaria "curto", e o que os italianos chamam de "ristretto" deixaria um brasileiro acordado por 37 horas seguidas e causaria morte imediata por overdose de cafeína em um holandês. Mas eu não reclamo, o carioquinha estava tomável. Não posso dizer o mesmo tanto do chamado "Americano" da Coffee Company, que deve seu nome não ao hábito dos americanos de tomá-lo, mas provavelmente ao fato de que eles serviam em Guantánamo como forma de tratamento cruel banida pela convenção de Genebra. Apenas o "café" servido na classe econômica da KLM pode concorrer com semelhante barbaridade, e mesmo assim o páreo é duro. Não entre eles (é como um concurso de beleza entre chihuahuas), mas pra quem se vê no dilema de enfrentar mais algumas horas sem cafeína ou encarar a abjeta beberagem. Certa feita, nos encontrávamos em vôo da KLM para Milão, e tivemos a oportunidade de testemunhar a interessante reação de italianos confrontados com o conceito KLMnês de café. Acho que eles entraram em choque, porque tiveram um ataque de riso histérico e devolveram, às lágrimas, o copo pra atônita aeromoça holandesa que não entendia o que havia acontecido.
Importar é solução?
Diante de tão lúgubre paisagem cafeínica, durante minha volta forçada ao Brasil no ano passado, onde fiquei confinado por três meses aguardando meu visto já fui me preparando para a volta. Fui criando um estoque de pacotes grandes de Café do Ponto Aralto, nosso favorito. Quando chegou a hora de me juntar de maneira mais prolongada à muvuca de bicicletas oficialmente como um expat, minha mala era composta do trivial (roupas, etc), e café. Muito café. Passei na alfândega com a respiração presa, torcendo pros agentes aduaneiros também estarem, pra não sentir o cheiro de café que permeava a minha bagagem. Seria difícil explicar que eu não queria revender nada, era pra consumo próprio.
- Sabe quié, seu guarda, é que vocês são muito legais, mas o café de vocês é um lixo. Nada pessoal. Adoro os canais, entretanto.
Felizmente, não foi preciso. Mas o tempo foi passando e o café brazuca acabando, e eventualmente fui voltando os olhos pra praticidade da Senseo. Não foi amor à primeira vista, confesso, mas aprendi a ver a sua beleza. E sabor, ok, e sabor. Pronto. Muita coisa na Holanda é um gosto adquirido, o drop sendo apenas o exemplo mais famoso.
Há esperança... e um bom espresso em Amsterdam!
Mas o café italiano ainda continua em outro patamar, claro, e eu o considerava um sonho inacessível aqui em Amsterdam. Até eu ler uma peripécia Bailandesa, minha esperança reacendeu. Um café bom, em Amsterdam! A Koffiesalon foi avaliada como o segundo melhor café da Holanda, mas isso em si não parecia grandes coisas (a promessa de ver em campo o segundo melhor jogador de futebol da Austrália empolgaria um torcedor fanático?). Mas o que eu tinha a perder, fora alguns euros? Vamos lá.
E fomos, nas duas lojas que eles mantém. A da Utrechtstraat 130 é um pouco maior, tem um mezanino, e uma decoração meio parecida com a Cafeera em São Paulo. A da 1e Constantijn Huygenstraat 82 é mais original, e bem bonita. Serve um capuccino bom, e tem o sortimento habitual de croissant e biscoitos, tortas pra acompanhar. Agora, chega de enrolação. E o café?
Oh, o café é muito bom! Melhor do que na maioria dos lugares no Brasil (inclusive do badalada Suplicy e bem melhor do que o da Cafeera). O da C. Huygenstraat é ainda melhor, com a vantagem de ser o mais perto de casa. O que impede de ir lá todo dia?
O preço. Assim como você não espera o café da Coffee Company, não espere o preço. Mas definitivamente vale uma visita de vez em quando, pra matar a saudade de um espresso que mereça o nome.


Mais fotos no set do flickr.
Serviço
De Koffiesalon
Das 7:00 às 19:00 todos os dias.
1e Constantijn Huygenstraat 82
Utrechtstraat 130