Berlim é uma cidade moderna e muito ativa. Sua vida cultural é agitada e a geração que nasceu pós derrubada do muro agora entra nos seus 20 anos e está agitando sem nunca ter conhecido uma Alemanha dividida. Há muito mais em Berlim do que história, é verdade.
Mas, quando viajamos para Berlim em 2009, eu queria era ver de perto um pouco da história de uma cidade tão importante.
Lá vi bastante coisa que me fez refletir... não apenas o Memorial do Holocausto e o Museu Judaico de Berlim (ao qual recomendo altamente uma visita), os mais marcantes, mas outros locais relevantes, como o próprio Reichstag de Berlim (o prédio do Parlamento Alemão), perto do Brandenburger tor.
E, claro, o Muro de Berlim.
Realidade concreta
O Muro de Berlim sempre foi uma coisa meio abstrata para mim. Nasci e cresci num mundo onde o Muro era um fato da vida (e acompanhei na TV quando ele caiu), mas sempre como eco de uma realidade distante.
Quando estive em Berlim, a abstração virou peças de 3,6 metros de concreto bem na minha cara. Eu, muito literalmente, não tinha dimensão da divisão imposta à Berlim.
Origens do Muro de Berlim: um pouco de história
A história do Muro de Berlim começa com o fim da Segunda Guerra Mundial. Após a tomada de Berlim pelos soviéticos a Alemanha se rendeu incondicionalmente. O que restava de seu território foi dividido em 4 zonas: soviética, americana, britânica e francesa. Seguindo esse modelo, a cidade de Berlim também foi rachada em quatro. A porção soviética era a maior de todas, e ocupava a metade oriental da cidade.
Mas até aí não havia muro.
Em 1948, havia muito desentendimento entre os blocos oriental e ocidental. Os soviéticos queriam controlar totalmente Berlim e resolveram estrangular os aliados. Como Berlim ficava bem dentro do setor soviético, Stalin mandou fechar todos os acesso terrestres à cidade. A idéia era fazer com que os aliados ocidentais ficassem à míngua e se retirassem, deixando o caminho livre pros soviéticos.
Não deu certo. Os aliados ocidentais fizeram uma operação gigantesca chamada "Berlim Airlift". Os suprimentos eram enviados por avião, diariamente. No começo os soviéticos pensaram que era mais um show, e os aliados ocidentais iriam cansar logo.
Quase um ano depois, mais suprimentos eram levados de avião do que era antes via trem. Com o plano falhando miseravelmente, os Soviéticos levantaram o bloqueio, mas decretaram a criação da República Democrática Alemã (conhecida também como Alemanha Oriental).
Com o decreto da nova República, muitos alemães que moravam no lado sovietico resolveram, como dizia Pepe Legal, "dar o pira". Sair dali, fugir, emigrar para Alemanha Ocidental. Com a emigração aumentando cada vez mais, os soviéticos fecharam a fronteira das duas Alemanhas. Isso rolou em 1952.
Berlim virou, então, um caminho de emigração, porque lá não havia muitas barreiras físicas entre os setores da cidade. Você podia ainda pegar o metrô e descer no lado ocidental, por exemplo. O que aconteceu é que muita gente que estava em outras cidades da Alemanha Oriental viu aí uma saída: viajava até Berlim, cruzava a divisão e pronto. Dali era pegar um avião pra fora da Alemanha Oriental, ou mesmo ficar e morar no lado ocidental de Berlim.
A situação ficou tensa com o fenômeno do "brain drain" (fuga de cérebros). Um grande número de pessoas que fugiam pra Alemanha Ocidental eram profissionais altamente educados, que fugiam por motivos mais políticos e ideológicos do que materiais. Isso começou a pesar na economia a Alemanha Oriental, além de desacreditar o regime.
Isso iria mudar.
Da noite para o dia: separação brutal e súbita
Algo precisava ser feito. E foi. De maneira dramática. À meia noite do dia 12 pro dia 13 de agosto de 1961 o exército da Alemanha Oriental começou a fechar a fronteira entre os blocos oriental e ocidental, a atravancar as ruas e trabalhadores começaram a erguer uma barreira física isolando e cercando o bloco ocidental do resto da Alemanha Oriental.
Primeiro era uma barreira de arames farpados e cercas, meio improvisada. Nem muro era. Mas servia ao propósito de impedir, ou dificultar ao extremo, a fuga para Berlim Ocidental.
Você imagina isso? Da noite para o dia, as duas cidades estavam separadas. Houve famílias que foram desfeitas, pois esposa e filhos foram dormir na casa da sogra, e o marido ficou em casa, e no dia seguinte, estavam irremediavelmente separados. O lado em que você morava determinaria sua vida. Você mora em um lado da cidade, sua namorada no outro? Sinto muito. Em uma noite, quantas vidas foram destruídas? Não sei. Mas sei que nos próximos 27 anos, muitas mais também o seriam.
Visitando o muro depois da queda
Com o tempo os soviéticos foram tornando a barreira cada vez mais sofisticada. O muro passou por 4 "versões". A última versão foi implementada em 1975: muro de concreto formado por placas de 3,6 metros de altura e 1,2 metros de largura. Nessa fase não era um muro de Berlim, mas dois: o mais à frente, isolando o lado ocidental, mais famoso, era separado de um outro menor (às vezes apenas uma cerca) por uma faixa de isolamento, uma terra de ninguém tristemente apelidada de "faixa da morte".

É essa versão, de 3,6 metros, que estava em vigor quando o muro foi derrubado em 1989 (ele não caiu — ele foi derrubado pelas pessoas que pararam de acreditar nele). Rapidamente, o muro foi desaparecendo, sendo desmontado por milhares de pessoas. O que não foi destruído, foi demolido posteriormente e pouco sobreviveu até hoje.
Mas o pouco que existe, ainda assombra.
Marcas no chão: Reichstag e Brandenburger tor
Em alguns lugares existem marcas no chão de onde passava o muro, ou placas memoriais. Uma dessas marcas você pode achar ao lado do Reichstag.
Ao lado do Reichstag há uma linha no chão, inclusive onde hoje há uma rua, mostrando por onde seguia o muro. É sutil de ver, mas ela aparece inclusive na vista aérea do Google Maps, se você souber onde procurar. É mais fácil de entender vendo uma foto da época, mostrando o parlamento com o muro à frente.
Mas a visita ao Reichstag vale mais pelo Parlamento do que pelo muro. Cito mais para você prestar atenção e procurar a marca e tentar ver como o muro separava dois pontos marcantes de Berlim, o Reichstag e o Brandenburger tor, ali perto.



Pedaços isolados e marcas no chão: Potsdamer Platz
A Potsdamer Platz era a praça mais famosa e importante da Berlim pré-Guerra — centro da vida noturna, da agitação cultural, coração de uma metrópole crescente. Durante a Guerra foi abundantemente bombardeada pelos aliados (o prédio da Chancelaria do Reich, onde o monstro se escondia, ficava a apenas uma quadra dali).
O muro de Berlim dividiu o que havia restado (não muito) em dois. O antigo centro cultural virou uma terra desolada, vigiada por guardas armados dia e noite. Por vinte e sete anos, o muro matou essa antiga área nobre no coração de Berlim.
Após a queda do muro, o espaço foi recuperado, e um moderno centro surgiu. Porém, alguns pedaços da história contrastam com os prédios do século XXI. No local onde passava o muro, foram colocados alguns dos pedaços originais, intercalados com placas explicativas, contando a história e mostrando fotos.



Comunicação entre dois mundos: Checkpoint Charlie
O isolamento entre os blocos oriental e ocidental não era completo. Havia alguns pontos de passagem oficial. O mais famoso, de longe, ficou conhecido por Checkpoint Charlie (originalmente Checkpoint C. Charlie é a pronúncia de C no alfabeto de soletrar da OTAN).
Esse portão acabou ficando icônico e se transformando num verdadeiro símbolo da Guerra Fria. Apareceu em filmes e livros de espionagem, foi palco de impasses perigosos, quando uma guerra poderia virar de fria em quente muito rápido e testemunhou mortes terríveis, como a do adolescente Peter Fechter.
Ele tentou cruzar para o setor ocidental perto do Checkpoint Charlie, foi atingido por guardas da Alemanha Oriental e caiu do lado oriental do muro que estava pulando, ou seja, dentro da faixa da morte. Ele ficou ali, berrando por ajuda, sendo observado pelos ocidentais (incluindo jornalistas), sem ninguém resgatá-lo, cada lado temendo o outro enquanto o adolescente sangrava até a morte — que ocorreu uma hora depois.
Hoje em dia há uma réplica da cabana de metal instalada pelos poderes ocidentais — como os ocidentais não reconheciam o muro como legítimo, eles não tratavam o Checkpoint Charlie como fronteira internacional — e uma réplica da famosa placa "Você está deixando/entrando (n)o setor americano" escrita em 4 línguas.
A placa original pode ser visitada ali ao lado, no museu particular Haus Am Checkpoint Charlie.
Lá está contada, detalhadamente, não só a história do Checkpoint Charlie, mas do muro e das pessoas que se dispuseram a atravessar o muro. Algumas com sucesso, outras não. Foi muito marcante ler sobre as vidas atropeladas pela súbita construção do muro, e do desespero que leva aos mais mirabolantes métodos para fugir da ditadura da Alemanha Oriental.
Serviço Haus Am Checkpoint Charlie
Endereço: Friedrichstraße 43-45 (desça na estação Koschstraße do metrô)
Aberto todos os dias, das 9h00 às 22h00
Entrada inteira: €12,50. Veja lista de preços completa.
Arte na maior seção do muro que sobrevive: East Side Gallery
A maior porção contínua do muro preservada até hoje (1,3 km) é conhecida como East Side Gallery — Galeria do Lado Oriental. Ela fica ao longo do rio, na Mühlenstraße 1.
Você sempre viu o muro de Berlim todo grafitado, ok. Mas esse era, obviamente, o lado ocidental do muro. O lado oriental só era possível de atingir após cruzar a faixa da morte. Porém, depois da queda do muro, artistas do mundo todo resolveram grafitar o lado oriental, originalmente vazio de qualquer coisa que não fosse cartazes de "verboten" (proibido), e acabaram criando uma grande galeria de arte ao ar livre.
Hoje em dia é possível visitar a galeria, mas os grafites estão muito degradados. Muita pichação foi feita em cima, com as mais idiotas frases (e sim, em português também). Mesmo assim, se você está visitando Berlim e quer ver apenas um ponto ligado à história do muro, é esse.
No dia em que fomos lá estava extremamente frio. Eu não sou um cara friorento — por exemplo, guento regularmente e sem problemas temperaturas de menos 4 sem luvas. Minha mão tem bom aquecimento interno. Eu aproveito isso pra tirar fotos sem luvas em temperaturas bem baixas. Porém, nesse dia, estava... frio. Quando minha mão parou de doer (e responder a comandos), resolvi para de brincadeira e guardá-la um pouco. Estimo que devia estar —10°C nesse dia. Frio pra cacete, ou seja.
De qualquer maneira, eu gostei muito da minha visita à East Side Gallery, e passei um bom tempo fotografando (a Carla fotografou também, mas logo se dedicou a tarefas mais preementes, como sobreviver).
The Mortal kiss, de Dimitrij Vrubel
Essa obra é uma das mais famosas da East Side Gallery. Você pode ver a foto que inspirou a obra de arte e como ela era quando foi pintada. Mas infelizmente, ela não envelheceu bem e em 2009 estava bem deteriorada.
Depois que visitei a Galeria, começaram trabalhos de restauração, e essa pintura foi recuperada.

Queda do Muro de Berlim
Em 1989 a Hungria abriu sua fronteira com a Áustria, virando uma via de fuga para os alemães orientais. Eles iam como turistas, e cruzavam pra Áustria em massa, forçando a Hungria a impedir a passagem dos alemães, enviando-os de volta à Budapeste. A Alemanha Oriental acabou proibindo viagens à Hungria, mas os alemães passaram a fugir usando a rota da Checoslováquia. Grandes protestos e demonstrações varreram a Alemanha Oriental, e a massa de refugiados só aumentava. Eventualmente o governo da Alemanha passou de mãos, com o antigo líder Erich Honecker sendo substituído por Egon Krenz.
Krenz, o novo líder, resolveu permitir a passagem entre Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, já que as pessoas estavam fugindo pelos países vizinhos. Mas a passagem deveria ser feita mediante permissão especial, não era livre. Essa nova regulamentação deveria entrar em vigor no dia 17 de novembro, e deveria ser anunciada pelo porta-voz do governo no dia 9 de novembro.
Agora vem a parte mais legal: o porta-voz não estava totalmente a par das novas regulamentações e recebeu apenas uma nota curta dizendo que a passagem seria permitida entre as Alemanhas. Ele, sem saber de nada, chamou a imprensa e leu a nota curta literalmente, dizendo, a passagem entre as Alemanhas está liberada. Surpresos, os jornalistas perguntaram quando isso estaria válido. O porta-voz respondeu: "Até onde eu sei, já está valendo." Um jornalista perguntou se era possível passar pelo muro, então, se os portões estariam abertos.
"Imagino que sim".
Conforme a notícia se espalhou, a população de Berlim Oriental saiu para as ruas e seguiu em massa pros portões do muro. Os guardas não estavam sabendo de nada e ficaram completamente surpresos com a multidão exigindo a abertura dos portões. Em pânico, sem saber o que fazer, sem coragem de abrir fogo na multidão, os guardas abriram os portões... e o muro caiu.
Just like that.
A fuga do guarda
Existe uma fotografia icônica, tirada logo no começo da construção do muro, quando ele era apenas uma barreira de arames farpados, em seus primeiros dias. Mostra um soldado da Alemanha Oriental, Conrad Schumann, pisando no arame, pulando pro lado ocidental, abandonando seu posto para desertar.
Essa fotografia tem copyright e não achei informação do autor liberando seu uso ou não, então coloco um link para a foto. Vá ver, vale a pena.
Para mim, essa foto tem um forte apelo, pois mostra alguém que deveria estar guardando a fronteira e garantindo a divisão, se recusando a fazer isso. Esse momento, no começo do muro, está ligada com o seu fim, a maneira em que ele caiu — quando as pessoas pararam de acreditar nele, quando os guardas se recusaram a abrir fogo na multidão, quando alguém simplesmente disse: está aberto.
Se cada guarda tivesse feito como Schumann, quem iria atirar nos desertores? Se cada um envolvido na construção do muro disesse, "não, isso não faz sentido, eu me recuso", quem iria construí-lo?
Não são muros que dividem as pessoas, os povos, as sociedades. São as próprias pessoas. Cada uma delas. Muros sem guardas caem rapidamente, como ficou demonstrado em 89.
Dicas de Berlim
Eu escrevi como ir de Amsterdam à Berlim, e dei dicas sobre o transporte público na cidade. Um programa cultural muito legal em Berlim é visitar a Ilha dos Museus.
Mas a melhor dica que eu posso dar sobre Berlim é o casal de guias brasileiros Nicole e Pacelli. Sério, se você curte história você vai amar conhecer os dois! Faça um tour personalizado por Berlim em português - não esquece de mencionar que você ama história. Vai ser inesquecível!