Uma das primeiras coisas que dançam quando você vai visitar um lugar novo é a ilusão de que ele é totalmente perfeito. Cada lugar tem suas armadilhas, e ser turista não te coloca na posição mais confortável do mundo pra escapar delas. Ao contrário, você está num ambiente estranho, novo, fascinante (muitas coisas pra absorver sua atenção), e isso é como mel pra atrair ursos (bem mais perigosos do que moscas).
Existem muitos perigos em uma cidade, mas turistas são um grupo alvo perfeito pra uma ameaça em específico: o conto-do-vigário, golpes e ciladas montadas justamente pra se aproveitar de sua posição vulnerável de peixe fora d'água, armadilhas que raramente um local embarcaria.
Andando pela Europa, encontrei diversas. Algumas me custaram algum stress pra me livrar, mas outras passei bem ao largo, pois já estava avisado pelas minhas leituras. Espero aqui retornar o favor e ajudar a tornar sua viagem um pouco mais segura.
(Se você está vindo para Amsterdam, o Ducs oferece serviços totalmente confiáveis para você evitar roubadas!)
1. Anel em Paris
Seguinte, esse golpe eu vi em ação na Ponte Alexandre III. É, aquela lindona que sai direto em cartão postal. Essa:
Você tá lá, clicando a deslumbrante vista e chega um cara do nada. Ele se agaixa perto de você e pega algo no chão. É um anel. De ouro! Oh!
— Esse anel é seu?
Não é. Será ouro mesmo? O cara não parece ter muita grana, mas oferece pra você ficar com o anel. A idéia é que você dê uns trocos pro cara — tipo, uns €10,00. O anel vale muito mais, certamente. Né? Uma pena que alguém tenha perdido, mas você não está fazendo nada de errado e tal. O cara provavelmente não conseguiria vender tão fácil, e ele precisa mais do cash do que de um anel.
CILADA!
Logicamente que o anel é falso e logicamente que ele quer te vender uma quinquilharia que deve valer uns €0,50 por dez pilas. Está jogando com a ganância e senso de oportunidade que é a base de tanto conto-do-vigário. Quando o cara me abordou (pode ser mulher, também, pelo que li), eu não conhecia o golpe e parei pra entender o que estava acontecendo
(Eu sou um que para praticamente toda vez quando falam comigo, porque a pessoa pode estar precisando de ajuda, honestamente. 98% das vezes é roubada, alguém pedindo dinheiro ou falando merda, mas às vezes não. Ontem, por exemplo, aqui em Haia, um tiozinho polonês me parou. Tinha todo jeito de que queria me pedir grana. Mesmo assim, parei. Ele não queria dinheiro. Estava perdido e não falava inglês. Tinha o endereço de um hotel. Indiquei o caminho pra ele. Esses 2% sempre fazem valer a pena pra mim. E, antes que perguntem, sim, eu parava muitas vezes em São Paulo também — quando não era obviamente uma roubada — e, sim, fui assaltado. Sou um otário persistente).
Enfim, niqui o tio me abordou e começou a aplicar a rotina do anel, a Carla, zupt, meu anjo da guarda e esposa amada, colou em mim e disse "roubada, vamos embora". Segui o conselho e saí. Ficamos, depois, em um canto da ponte, observando o modus operandi do meliante. O método de vender o anel (e quem se ferra é quem recebe, vejam vocês só) ficou claro pra nós. Procurei depois online e confirmei o golpe. Eu deveria ter desconfiado de cara: um parisiense falando inglês, magina. (Piadinha, não levem a sério).

2. Escadaria da Sacré-Cœur, Montmartre, Paris
Ê Parri, linda, problemática e apaixonante. Mais uma da segunda cidade mais bonita que eu conheço (ah, vai, cês sabem que eu sou parcial por Amsterdam). Essa foi nas escadarias que levam pra Basílica de Sacré-Cœur, no Montmartre. Aos pés dela fica uma multidão, mas uma multidão de ambulantes. A idéia é abordar os turistas e vender uma fitinha que, segundo eles, é pra "ajudar" a Basílica. Cof. Tá, sei.
O problema é que os caras são meio agressivos. Por "meio agressivos" quero dizer bastante agressivos. Eles já chegam querendo pegar seu pulso, falando inglês, ops, "inglês", abordando de turma. Eu cheguei e foi como sardinha em tanque de tubarão: eles fecharam em mim.
Eu disse "no, thanks"
"It's not for me, it's for the church."
"No, thank you!" — já saindo andando. O cara pegou no meu ombro, pra me impedir. Tive uma reação instintiva e bati na mão dele, tirando-a na hora e gritei:
- DON'T TOUCH ME, SIR!
Juro que falei sir. Dica: quando quiser ser ameaçador, não seja polido. Mas eu não tava pensando muito. Recebi como resposta:
- FUCK OFF, ASSHOLE!
Respondi algo nas mesmas linhas e saí dali, bufando. Mas não me incomodaram mais. Da Basílica, voltei por outra parte, saí a passear pelo Montmartre e não desci de novo as escadas.
O Conexão Paris (que recomendo) tem um artigo sobre esse golpe das escadarias da Sacré-Cœur.
3. Pombos na Piazza del Duomo, Milão
Tá, vamos sair um pouco de Paris. Essa foi em Milão. A primeira atração da cidade que fomos ver foi Il Duomo, ou seja, a Catedral de Milão. Essa catedral me deixou tamanha impressão que escrevi um texto inspirado por ela. É impactante.
Chegamos de manhã, e a praça estava praticamente vazia. A Catedral brilhava, linda, linda. Imediatamente chegou um cara, pegou meu pulso (isso aconteceu antes do lance em Paris — talvez por isso eu já tivesse mais ligeiro por lá) e encheu minha mão de milho. Enquanto eu ainda estava estupefato, ele levantou minha mão. A idéia é atrair os pombos pra comer na sua mão e depois te perturbar até você dar alguma grana. Eu sei de gente que deu, depois, só pro cara parar de importunar.
Eu tive mais sorte. Eu tenho a Carla.
De novo ela veio muito rápido, me pegou pela outra mão, enquanto dizia "no, no" pro cara e, antes que ele ou eu pudéssemos ver o que rolava, estávamos longe. Você deve estar se perguntando se é seguro eu andar sem supervisão adulta e como eu conseguia voltar pra casa antes de conhecer a Carla. Eu me pergunto isso também, às vezes.
De qualquer forma, o incidente foi logo superado e continuamos a apreciar Milão, que é uma cidade subavaliada pelos turistas.

4. Ciganas em Berlim
Esse foi um que passamos longe porque já havíamos lido sobre. As ciganas (ou, enfim, mulheres que se vestem como ciganas) ficam esperando perto das grandes atrações turísticas e estações de trem. Ao ver um turista trololó, elas aplicam a frase típica:
— Do you speak English?
Se você responde sim, elas vêm com um papo-aranha de que precisam dinheiro pra voltar de trem pra terra/país delas, que isso e aquilo. Mas, como disse, elas nem chegaram a desenvolver. Ignoramos e continuamos nosso caminho, ouvindo os chamados de "hablas espanhol? Parlez-vous Français?". Acho que eu devia ter respondido em holandês, só pra assustar. Funciona melhor que Klingon, dizem.

Tá indo pra Berlim? Eu contei a história e o roteiro pra ver o que resta do Muro de Berlim. E tem uma página indicando meus artigos sobre Berlim.
5. Mulher com abaixo assinado em Barcelona
Essa foi em Barcelona. Uma mulher aborda você, em inglês, e começa a elaborar sobre um abaixo assinado. Ela não quer dinheiro, veja só, apenas que você apoie uma causa super válida, daquelas que todo mundo é a favor. Enquanto eu ouvia a explicação e tentava dizer que não, eu não daria meu endereço e outros dados pessoais pra uma desconhecida, me achando muito ligeiro e malandro por isso, veio, adivinha, a Carla me resgatar ("Quando não vejo o Dani por 3 minutos seguidos eu já desconfio se ele não está encrencado").
Depois li numa notícia que a pessoa não está interessada em seu nome, telefone ou outros dados, mas em te entreter tempo o suficiente pro comparsa vir e bater a sua carteira. Depois, um amigo nosso contou que aconteceu isso com ele — ele teve a carteira batida.
Yeah, a Carla me salvou de novo.

6. Senhor da passagem de ônibus em Genebra
Esse eu não tenho certeza de como funciona o golpe até hoje — ou sequer se é um golpe. Foi assim:
Havíamos acabado de chegar em Genebra. Depois de horas procurando terminal de ônibus (duh, é na parte de cima do aeroporto: tem de subir as escadas), finalmente achamos. Quando chegamos no ponto, fomos comprar o bilhete na máquina. Veio um senhor de idade oferecer ajuda. Recusamos. Né? Sei como é, eles vêm pedir ajuda e depois cobram uma "taxa" e tal.
O senhor, muito educado, disse que não queria dinheiro de nós. A máquina aceitava moedas de franco, Vocês têm moedas de franco?
Não tínhamos.
Oras, que coisa, o senhor tinha um cartão que habilitava comprar a passagem. E não, ele não iria cobrar nada por isso. Deixou que examinássemos a tarifa impressa na máquina. Disse que só queria ajudar. Se déssemos o dinheiro, ele tirava as passagens pra gente e ainda nos dava o troco certinho.
— É importante não pagar a mais pela passagem. Tem de pagar o preço certo! — ele disse.
Olhamos. Estávamos com mochilas, cansados e o ônibus já ia sair. O terminal do aeroporto ficava a uma caminhadinha.
Aceitamos.
Ele cobrou o preço certo, nos deu o troco certo. As passagens eram válidas. O motorista ignorava solenemente o senhor.
Assim que compramos as passagens, ele passou a ajudar outro casal perdido.
Eu fiquei matutando muito tempo pra entender. Pode ser que o senhor tenha direito à passagens ilimitadas, por qualquer motivo, e esteja revendendo-as — o golpe seria na empresa de transportes da Suíça e não em nós. Eu não tenho prova alguma disso. Se tivesse me ocorrido isso, provavelmente eu não teria comprado as passagens com ele. Na hora, ele pareceu uma pessoa querendo ajudar. Foi a única vez em que o vimos. Se um dia eu voltar à Genebra, certamente não comprarei dele e levarei o dinheiro já trocado, em moedas. Talvez seja uma boa idéia você fazer o mesmo.
Leia sobre nossa viagem pelo Lago Genebra!
7. Conta do hindu em Amsterdam
Opa, como poderia terminar sem uma de Amsterdam? Esse golpe eu só vi uma vez mas, como vocês jovens descolados dizem, fica a dica.
É assim: vem um senhor com cara de hindu. Daqueles de turbantão, manto, pontinho na testa, barba, pacote completo. Ele aborda você e começa a aplicar um chaveco elaborado de como ele lê as linhas de seu rosto e vê sua aura e sei lá eu que mais. Que como você terá sorte em sua vida. E como ele é um sarcedote hindu que tudo sabe, tudo vê (ou algo assim). E suas linhas aurais projetam poder astral e tudo. E tal. E te oferece uma conta.
É, uma conta de colar, dessas de bijuteria. Ele diz que é do templo dele na Índia. E o Universo e o Paulo Coelho conspirarão por você (dinheiro não, entretanto).
Bueno, aí vem a mesma rotina do Anel de Paris: que o templo dele está em dificuldades (segura na sua mão e olhar penetrante) e precisa da sua ajuda e que o quê você puder contribuir (só isso? Não, não, isso é muito pouco, estamos em sérias dificuldades) e...
Enfim, uma hora você pode ficar tentado a ceder uma grana pro cara parar de recitar platitudes sobre o universo. Separe-se de seu dinheiro ou do hindu (o dinheiro oferece menos resistência, e essa é a fonte do sucesso do hindu). Aviso: moedinha de um não funciona.
Bônus: junkies em Amsterdam
Bem mais comuns do que o hindu, são os junkies em Amsterdam. Eles abordam em inglês pedindo uma moedinha. Pode ignorar com segurança. Se quiser pagar de local, diga "nee" ("não", em holandês. Soa como "nei"). Eles raramente insistem, e raramente são agressivos. Um "no" em geral os afasta.
(Descubra mais um monte de Dicas sobre Amsterdam.)
Não deixe isso estragar sua viagem
Ninguém gosta de problemas, muito menos eu. E eu vou ser o primeiro a dizer que a Europa não é um paraíso na terra — eu moro aqui e sinto muito de seus problemas na pele. Como eu disse no começo, ir a um lugar é um bom jeito de destruir a imagem perfeita que se tem dele.
Mas isso não é necessariamente ruim.
As cidades não são parques de diversões, mundos de fantasia onde tudo funciona, habitado apenas por clientes e gnomos cujo único desejo é servi-los. As cidades são o resultado de gerações e gerações de pessoas vivendo juntas, criando através dos tempos um organismo vivo.
E se tem uma coisa que aprendi na faculdade de Biologia, é que seres vivos são barulhentos, fedidos, sujos, perigosos e inerentemente imperfeitos. E, até por isso mesmo, também fascinantes.
UPDATE: Leia os comentários. O pessoal deu dicas de outros golpes. Estão bem legais.