Alugar um apê (gíria brazuca pra apartamento) em Amsterdam é uma aventura. É um mercado disputado e inclemente, com pessoas tentando meses até conseguir pagar fortunas em um muquifo de banheiro compartilhado e teto baixo.
Demos sorte nesse quesito: nosso apê tem banheiro próprio e pé direito alto. Antes de embarcar pela primeira vez pra Holanda (e pro exterior - foi nossa primeira viagem internacional), nos haviam prometido "alguns apartamentos pré selecionados para vocês escolherem". Ao chegarmos aqui, descobrimos que por "alguns apartamentos pré selecionados para vocês escolherem" eles queriam dizer "toma o endereço de uma imobiliária, boa sorte. A propósito, vocês têm 4 dias pra achar um apartamento."
Saímos a bater perna por Amsterdam completamente zuretas de jet lag e choque cultural, soterrados de informações novas de um mundo que funcionava sem dar a mínima pro fato de que não tínhamos idéia como. Éramos tão caipiras que não sei como não terminamos comprando uns bondes holandeses por alguns contos de réis em vez de alugar um apê.
Seguimos alguns corretores sem ter ideia pra onde, sem saber o que era norte, sul, leste ou fim do mundo, até que caímos com o Roy, corretor da imobiliária Rots-Vast. Escorregadio, enrolão, determinado e muito simpático, ele tem todos os requisitos de um vendedor, um dos bons. Roy nos levou a um apartamento recém-reformado, com decoração moderna e estilosa, da qual fazia parte uma gaiola de pássaro estilo retrô. Ao entrar no quarto onde ela se encontrava, Roy grita assustado:
- PUTA MERDA, O PÁSSARO MORREU!
Pulei em pânico, procurando o pássa...
- Tô brincando, cara. É só decoração.
Esse Roy é mesmo um fanfarrão, pensei. Acabamos fechando negócio, confiando na palavra do corretor de que era uma boa localização, uma vez de que a nossa noção mais precisa de localização em Amsterdam era "4 metros abaixo do nível do mar".
Nunca é uma boa ideia, isso de confiar totalmente em corretores. Mas estávamos com jet lag, cansados, estressados e sob intensa pressão pra alugarmos alguma coisa logo. No fim das contas era mesmo uma localização até que boa. Tinha apenas um pequeno detalhe, que iríamos descobrir na mudança.
Dois dias depois estávamos em frente ao nosso novo lar, esperando o Roy chegar pra vistoria e assinatura final do contrato. Nossas malas empilhavam-se na calçada e eu andava em tensos círculos, matando o tempo sob um raro dia de sol do outono holandês. Meus círculos foram interrompidos pela Carla me chamando:
- Amor, ali é nosso apê, certo?
- Hm? Grunfs. É.
- Ele não tá em cima de um tipo de loja?
- Loja? É, parece uma loja.
- É uma loja de quê, será? Acho que é de antiguidades.
- Antiguidade? Por que diz isso?
- Tô vendo um tipo de vaso ali na vitrina. Tem umas plantas do lado...
- Vaso? Deixa eu ver... é, parece um... ah.
Dei de cara com dois metros de um portentoso narguilezão adornado por duas folhas de cannabis.
- Cacete, é um coffee shop! (* bar de venda legalizada de maconha)
Roy chegou serelepe em sua prática lambreta e inquiri sobre o fato de termos recém alugado um apartamento sobre um comércio característico holandês. Ele perguntou: e? Eu respondi:
- Temo, Roy meu chapa, pela baderna associada a estabelecimentos de entretenimento. Eu já morei ao lado de bar e te digo que não é legal.
Ele me garantiu que se era esse o problema, coffee shops seguem uma regulamentação muito estrita. Qualquer denúncia de baderna associada irá resultar em penas severas ao estabelecimento. Então eles fechariam cedo, e regularmente. O que, pra defesa do Roy, aconteceu. Há ano e meio que moro aqui e uma única vez vi alguém de dentro do coffee shop gritando. Era um funcionário, num polido inglês:
- Sir, sir!
Um cara saía do estabelecimento, andando em um ângulo de 45 graus em relação ao chão (e à realidade, desconfio).
- You forgot your passport, sir!
É, meu chapa, você vai precisar disso, e vai ser interessante explicar pros meganhas do controle de fronteiras onde você perdeu. Mesmo porque, provavelmente você não iria lembrar. Ah, sim, coffee shops pedem passaporte pros fregueses: a venda de maconha à menores de 18 anos é estritamente proibida.
Mas voltando ao apê, subimos pra fazer a vistoria e assinar o contrato. Enquanto a Carla fazia essa parte, eu fiquei curioso e resolvi abrir uma janela. Um daqueles imensos janelões holandeses. Assim que o fiz, pulou uma imensa, gigantesca, gordíssima aranha daquelas bem redondas! Calmamente informei os outros da situação:
- AAAAAUUUUGH, CACETE, UMA ARANHA!
Roy veio logo tirando um barato:
- Oras, mas você está com medo de uma aranhin...AAAAAUGH! CACETE, UMA ARANHA!
Ele me passa a caneta com que segundos antes estavam assinando o contrato:
- Toma, põe ela pra...
- Brigado, disse eu, e SBLOFT! Explodi a bolota que era a bunda da aranha com a caneta!
- FUCK, MAN! Era pra por ela PRA FORA!
Olhei confuso:
- Aaaaahnnnm.
Devolvi a caneta:
- Tó.
Ele me olhou horrorizado.
- É sua, cara! Presente. De mim pra você.
Fechei a janela, mortificado. Bem-vindo à Amsterdam. Suspirei e tratei de começar a árdua tarefa de anarquizar a super delicada decoração feng chuê preparada pelo nosso senhorio com uma legítima baderna latina. O apê era todo nosso, disputado a canetadas com a aranha residente.
Serviço
Essa foi nossa chegada, anos atrás, mas aqui vão alguns links que podem ser úteis na sua pesquisa:
Imobiliárias:
Rots-vast - http://www.rotsvast.nl
Kamernet - http://www.kamernet.nl
Multiwonen - http://www.multiwonen.nl/
Classificado de imóveis
Funda - http://www.funda.nl
Vocabulário
Huuren/huur - alugar/aluguel
Kopen/koop - comprar/compra
Kamer(s) - Cômodo(s)