Eu nunca tinha ouvido falar de Bruges (seu nome original em holandês é Brugge, mas pra evitar arranhar a garganta dos não iniciados, nesse artigo vou com o nome francês) até ver um cartaz do filme "In Bruges" no metrô de Londres, da primeira vez que cruzei o canal, em 2008. E de repente, ela estava em toda parte. Todo mundo perguntando aqui no Ducs, as pessoas comentando, uma prima da Carla foi.
Não sei se o filme teve a ver com a popularização da cidade (me parece que ele ficou meio obscuro) ou se foi só propaganda boca-a-boca de quem foi e curtiu. De qualquer forma, acabei indo conhecer Bruges antes de conseguir ver o filme (comprei o DVD depois). E deixa eu dizer: não, Bruges não é, como dizem no filme, um "shithole" 🙂

Cidade histórica medieval
O que é Bruges então? Uma cidadezinha medieval no nordeste da Bélgica, província de Flandres? É, sim, também. Embora ela pareça um pouco... como direi... bem preservada demais. Claro, o centro histórico de Bruges é, desde 2000, Patrimônio da Humanidade, por ser um "excelente exemplo de assentamento medieval" tendo mantido sua característica ao longo da história.
História gloriosa, aliás. Bruges foi centro comercial e industrial já no século XIII. A indústrial têxtil estava nos seus primórdios, e Bruges produzia lã, estabelecendo contato comercial com a Inglaterra. A coisa foi indo bem, e no fim século XV Bruges tinha o dobro de habitantes de Londres (!). Era rica e poderosa, cidades italianas como Florença e Gênova tinham embaixadas comerciais por lá e o porto estava atulhado de navios com mercadorias de toda parte.
Porto? Que porto? O porto da cidade hoje fica meio longinho de Bruges e foi construído só no século XIX! Estamos falando da Idade Média, certo? Exato. Nessa época, Bruges era conectada com o mar por um canal, o Zwin. Porém, o canal estagnou e perdeu o acesso ao mar durante o século XV, deixando Bruges isolada. O comércio parou, Antuérpia e seu porto foram enriquecendo, e Bruges acabou tão estagnada quanto as águas que um dia a haviam ligado ao mar. E por uns 400 anos assim ficou.

Daí teve Waterloo - cê manja, onde Napoleão perdeu a guerra? Waterloo (ou, como dizem por aqui, váterloô) fica perto de Bruxelas, e os turistas ingleses indo pra lá começaram a passar por Bruges. Um escritor publicou um romance, Bruges-la-Morte (Bruges, a morta), que acabou por ressuscitar a cidade como centro turístico - e o turismo é o que move a cidade hoje.
Mais turística do que medieval
A história de Bruges é real, mas no centro, bem, rolou aquela renovada, claro. Veja, nada dura pra sempre, e sem manutenção as coisas duram bem pouco. Mas junto com a manutenção, tenho a impressão de que houve uma... "embelezada". Pode ser implicância minha, mas fiquei com aquela sensação de que a coisa toda era um tanto quanto de show. Não que não seja legal, note bem, eu gostei de lá. Mas achei mais pra parque temático do que cidade realmente medieval (Florença me pareceu mais autêntica, com turistada e tudo). E em Bruges, eles sabem cobrar bem pelo privilégio de visitar.

Mas deixemos de implicância. É um excelente passeio, a cidade é de fato linda, e me diverti tirando fotos lá com minha falecida Sonyzinha.
Indo de trem: Como chegar de Amsterdam até Bruges
É simples. Uma opção é ir de carro, mas eu e Carla preferimos ir de trem sempre que possível. Nesse caso, ir de trem envolveria uma baldeação em Antuérpia.
Dá pra consultar os horários e preços dos trens entre Amsterdam e Bruges no site da NSHispeed. Se você quiser ver um guia completo como são os trens que ligam Amsterdam a Bélgica, eu escrevi um artigo sobre como ir de trem de Amsterdam para Bruxelas — pode ler, muita coisa serve pra Bruges, já que os trens são os mesmos: você terá de baldear de qualquer maineira, ou em Antuérpia ou em Bruxelas, e pegar outro trem pra Bruges.
Tem o trem da Thalys, que vai até Paris e passa por Bruxelas também, mas não queríamos esse. Primeiro porque é mais caro, segundo porque prefiro a baldeação em Antuérpia. Pegamos o trenzão simples mesmo, cheio de gente se encolhendo no friozinho de outono.
Uai, mas o trem não tem aquecimento? Sim, tem, mas tinha também uma senhora e sua amiga causando (ainda se usa essa gíria?) no trem. Ela falava alto, gritando sobre como logo estaria aproveitando A GRÃ PLÁCI EM BRUXELAS, levantava o tempo todo, apontava, abria a janela pra poder fotografar "as VAQUINHAS HOLANDESAS", o que ela estava causando era um grande incômodo pra todo mundo.
Além disso, ela falava mal na frente das pessoas, acreditando que ninguém ali a estava entendendo.
Mencionei que ela e sua amiga eram brasileiras? Pois eram. Não quero entrar em polêmica de nacionalidade aqui: existem malas em todas as línguas. Mas quando é a sua, a vergonha alheia que já seria forte, fica insuportável. A viagem entre Amsterdam e Antuérpia de trem leva umas duas horas e meia, normalmente. Essa pareceu durar 15. Mas acredito que ela tenha conseguido obter, junto com o ódio de todos os outros passageiros, as malditas fotos das vaquinhas holandesas (depois da fronteira, eram vaquinhas belgas).

Chegando em Antuérpia, pra livrar o trauma da companhia de nossa compatriota, tivemos o primeiro contato com sua linda estação central. Subimos as escadas até as plataformas mais ao alto, não sem antes nos abastecermos do excelente waffle de um carrinho estacionado em um dos andares, e pegamos o próximo trem que iria pra Bruges. Os trens da companhia belga (NMBS) são muito confortáveis, e esse estava vazio. O que foi bom, já que teve um acidente na ferrovia e ficamos parados mais de hora e meia presos no meio do caminho dentro do trem. Longa viagem.
Mas foi azar. Normalmente, viagem de trem é bem tranqüila, e continua sendo meu método preferido.
Chocolate, cerveja e renda.
A indústria de tecidos há muito perdeu importância pra indústria turística, mas ainda existe na forma de rendas, que estão por toda a parte na cidade. São bem bonitas, e bem caras. Não compramos nenhuma.

Tá, e o chocolate?
Já os outros tradicionais produtos belgas fizeram a nossa festa. Chocolate e cerveja do país estão entre os melhores do mundo, fácil. Existem muitas lojas de chocolate, e, sabe, pra poder dar uma opinião ponderada e justa aqui no Ducs, tive, tive de fazer uma extensa pesquisa. Após consumir alguns quilos de chocolate (transformados em quilos extras de Daniduc) no local, posso dizer com tranqüilidade que a melhor loja é a Spegelaere (Ezelstraat 92, abre de terça a sábado, das 8 às 18, fecha pra almoço ao meio dia e abre de novo à uma. De domingo abre às 9 e fecha à uma. Segunda não abre. Sim, foi um parto achar essa loja aberta. E valeu a pena.) Se você comer as pralines de lá e não gostar, pode vir reclamar comigo e me dar o resto da caixa, que eu vou… hmm… tomar providências imediatas pra eliminar o problema.
Evite o tal do Museu do Chocolate. É um tremendo de um armadilhão de turista. Reuniram meia dúzia de coisas que marginalmente tem relação com o chocolate, fizeram uns cartazinhos bem mequetrefes e juntaram isso com um balcão onde se vê "fazendo" os famosos bonbons (pralines) de Bruges — estava vazio quando fomos. Os produtos da lojinha são caros, e tequinho de chocolate dado como amostra grátis é bem ruim. Poderia ser interessante - quase comecei a me divertir com a história da Cote D'Or, uma das minhas marcas favoritas de chocolate no mundo todo, mas o que tinha era muito pouco e superficial. Pra mim, a roubada da viagem. OK, a tia do trem foi mais, mas essa pegou um desonroso segundo lugar.
Agora cerveja: Cervejaria Haalve Maan

De cerveja, Bruges também está bem servida. Eles tem uma cervejaria local, De Haalve Maan (A Meia Lua, fica na Walplein 26), que faz a Brugse Zot. Você irá encontrá-la por toda a parte, mas o melhor lugar pra tomá-la é na própria cervejaria. Ela tem tour guiado (que eu fiz), onde você vai aprender sobre cerveja em inglês e holandês (e, se tiver pessoas o suficiente querendo, alemão e francês). E depois pode tomar a cerveja local tirada na pressão, antes de ser filtrada (o que é feito fora da cidade), algo que você só pode fazer lá. O tour sai por €7,50, incluindo um copo de cerveja e ainda terá uma bela vista da cidade a partir do telhado da cervejaria.

A propósito, se você curte cerveja, a Holanda manda muito bem, também. Aliás o Alexandre Gueda deu uma indicação de um pub de cerveja em Bruges que, segundo ele, é imperdível: café 't Brugs Beertje (Kemelstraat 5).
História em prédios: O campanário de Bruges
Além da arquitetura típica em Bruges, existem muitos prédios e locais de relevância histórica. O mais famoso deles é o Campanário de Bruges (EN: Belfry of Bruges NL: Belfort van Brugge), impressionante torre bem no Grote Markt, o mercado central da cidade - aliás, lindo. O prédio é meio que símbolo da cidade, tem papel central no fim do filme In Bruges, e é parte de outro Patrimônio da Humanidade, os campanários da Bélgica e França.

Sendo eu um entusiasta de ver as cidades no alto, resolvi encarar os trezentos e sessenta e seis degraus. Pelo privilégio de ter seu condicionamento cardíaco desafiado, rola uma entrada (5€, criança menor de 13 anos não paga - e se tiver o cartão da cidade, é de graça), mas uma bela vista da cidade é a recompensa. Além disso, dá pra admirar o carrilhão e os sinos de bem perto. A subida é feita em etapas, e as escadas são estreitas. Tem que rolar uma negociação entre quem sobe e quem desce em vários lances.

No dia em que escolhi ir estava rolando uma feira no Grote Markt, foi bem legal.
A Igreja de Nossa Senhora e a Virgem Maria com criança de Michelângelo
A Igreja de Nossa Senhora (Onze Lieve Vrouwekerk é um prédio sóbrio, como bem definiu o Lonely Planet, e eu não recomendaria especialmente entrar nela se não fosse pela escultura da Virgem Maria com criança (Madonna with child) de autoria de Michelângelo. Dizem ser a única escultura do artista a deixar a Itália enquanto o artista era vivo. Comprada por um patrono rico da cidade, ela foi e voltou ao longo do tempo, conforme guerras e invasões aconteciam, mas hoje está lá, pra qualquer um admirar. Inclusive, no dia, eu era o único visitante, apesar da entrada grátis (é, afinal, uma igreja).

Claro, tour de barco pelos canais
A cidade é toda cortada por canais, e dá pra fazer o tour de barco. É mega turistoso, eu sei, mas eu curto tour de barco mesmo assim. Indiquei até como uma das atrações de Amsterdam.

O piloto do nosso barco era até que engraçado, e ver ele pilotar de pé, com a cabeça passando, com suprema indiferença e segurança, a milímetros das baixíssimas pontes de Bruges acabou virando uma diversão extra entre a turistada do barco. O cabelo dele era bem esvoaçante e efetivamente encostou na ponte mais baixa.

No fim o passeio foi legal, e o piloto nem precisava ter chantageado emocionalmente todo mundo pra ganhar gorjeta. Não a mim, ao menos, eu teria dado de qualquer maneira.
Begijnhof e o Lago do Amor
Achou dois Patrimônios da Humanidade numa cidadezinha desse tamanho pouco? Tem mais um, um dos Jardins das Beguinas de Flandres (EN: Flemish Béguinage NL:Vlaamse Begijnhof) fica lá em Bruges. As Beguinas eram mulheres que queriam viver uma vida retirada e dedicada à Deus, mas sem se ordenarem formalmente. Elas formaram comunidades nos países baixos (não confunda com os Países Baixos atual, popularmente conhecida por Holanda. Tô falando da região histórica, que hoje está dividida entre norte da Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), casinhas protegidas por um muro e voltadas pra um jardim central, onde em geral havia uma igreja.
Alguns destes jardins sobrevivem até hoje. Inclusive o Begijnhof de Amsterdam é uma das atrações de lá. Fui visitar também o de Bruges. Fiquei pouco, não entrei, mas achei bonito e, sim, como em geral são os jardins das Beguinas, tranqüilo.
Um outro lugar tranqüilo ali perto é o Lago do Amor (EN: Lake of Love NL: Minnewater). O motivo do nome, desconheço. Eu e todo mundo, aparentemente. Antes da ligação medieval com o mar estagnar, ali ficava uma movimentada doca, bem o oposto de hoje. Não é nada de especial, mas quando fui tinha surpreendentemente poucos turistas, e estava bem calmo. Não sei se é assim sempre.
Sossego
Aliás, a cidade toda é muito sossegada. Durante a noite, não havia ninguém nas ruas. Andávamos com a cidade meio que pra nós. Tudo bem que não era alta temporada, mas ainda assim. Eu, que gosto de andar a pé, achei uma delícia. Inclusive porque a cidade é um ovo. Literalmente, também (o centro histórico é cercado por um fosso oval).
Quem tá no pique de balada deve se entediar até a morte durante a noite.

Bruges local. Isso existe?
Bruges ainda tem outras atrações (como o museu onde tem obras dos Flemish Primitives, mestres pintores da época em que a cidade era dos hubs da Europa, ou a Stadhuis, a antiga prefeitura) e diversas surpresas escondidas. Passamos por outras aventuras (como comprar pão numa máquina automática e jantar pão e água de pé na rua deserta), mas é hora de ir finalizando.
Apesar de megaturística — Bruges me parece ser tudo o que Campos de Jordão queria ser quando crescer — ela não fica só nisso. Basta se aventurar um pouco, ignorar os guias e andar sem olhar o mapa, enxergar não os anos de história, mas a população local vivendo a vida normalmente. Force a vista um pouco além do show montado e dos turistas, e você verá que ela está lá também, não apenas na Bruges moderna, fora do centro. Descobrir uma nesga dela foi uma das boas surpresas da viagem.

No geral, gostei de Bruges. A coisa de que mais senti falta, na verdade, foi de uma caneca escrita "Fucking Bruges" ou mesmo "Bruges is (not) a shithole". Ah, não faça essa cara de chocado, é uma referência ao filme In Bruges, e eu acharia mega cool se as armadilhas de lá tivessem aproveitado pra entrar na onda. Bem, ao menos teriam arrancado mais alguns euros de mim.

Cartão da cidade
Uma dica pra adiantar seu lado em Bruges: Eu vendo (via Ticketbar) um cartão da cidade, que dá entrada grátis em um monte de atrações (além de montes de outros descontos). Bom pra facilitar seu passeio. Dá uma lida aqui!
Hoteis que ficamos em Bruges
Minha cunhada e o marido dela ficaram no Íbis de Bruges, que é bem localizado, dentro do centro histórico e perto de diversas atrações.
Já nós reservamos uma pensão — no nome um hotel, Hotel Asiris —, bem no limite de fora do centro. Não tinha elevador, somente escada, mas tinha uma vista bonita pra Igreja. Mãe e filha cuidam da pensão e o atendimento é muito simpático, e elas servem um bom café da manhã.
Se você está planejando sua viagem pra Europa e procurando hospedagem, eu tenho um tutorial de como procurar hotel bom e barato na Europa.
Guias
Usei o Lonely Planet da Bélgica e Luxemburgo. O Lonely Planet nunca me decepciona, e esse também é sensacional: completo, bem escrito e bem explicado. Já prum guia mais direto ao ponto, eu comprei o Fodor's Brussels' & Bruges' 25 Best, 4th Edition
, que me deu a dica da melhor chocolateria de Bruges. Só por isso, ele já teria valido. Mas é boa companhia de viagem também.
Ah, e por falar em Guias: se você está indo pra Amsterdam, eu escrevi um Guia sobre a cidade! Sim, euzinho! 😀 Clica no link e prometo que você vai ter um grande companheiro de viagem: Guia Ducs Amsterdam.
Próxima parada: Gent... ou Paris?
Gent é outra cidade medieval na Bélgica. Fica bem no caminho da estrada de ferro entre Bruges e Antuérpia, então é bico ir pra lá. Foi o que eu fiz, e tem um artigo sobre o meu dia em Gent.
Se você está indo pra Paris também, escrevi um artigo com muitas dicas de Paris. Dá uma lida, vale a pena.
Excursão bate-volta saindo de Amsterdam para Bruges
Eu vendo em parceria com a Ticketbar uma excursão de bate e volta saindo de Amsterdam para Bruges. De repente é uma boa pra sua viagem: